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Críticas a ‘Que tiro foi esse?’ e outras canções levantam a questão: a música brasileira está pior? Por Leonardo Lichote
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Cultura
Sáb, 17 de Fevereiro de 2018 22:02

Leonardo_Lichote_2Há alguns dias, um texto (erradamente) atribuído a Arnaldo Jabor circulou pela internet atacando a qualidade da música que se ouve hoje no Brasil. Partindo do refrão do sucesso “Que tiro foi esse?”, de Jojo Todynho, o artigo trazia frases como “Que tiro foi esse? Que acertou os tímpanos do nosso povo fazendo-os ouvir lixo achando que é música”.

O cantor e compositor Jorge Vercillo foi um dos que compartilharam a história em seu perfil no Facebook. Em dezembro, Lulu Santos, observador atento há décadas da música das periferias, que costuma trazer pra perto de sua própria produção, já havia soltado um comentário do mesmo teor no Twitter: “Caramba! É tanta bunda, polpa, bumbum granada e tabaca que a impressão que dá é que a MPB regrediu pra fase anal. Eu, hein?”.

Os hits são novos, mas a polêmica é antiga. Veja a pancada a seguir: “é a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens”. Acha que é sobre lambada? Dança da garrafa? Funk? Longe disso — e por muitas décadas. Foi assim que o “Diário do Congresso Nacional” de 8 de novembro de 1914 reagiu a uma música de Chiquinha Gonzaga: “Gaúcho”, famosa como “Corta-jaca”. Esse é um de muitos exemplos de artistas que já foram atacados e (em algum nível) acabaram legitimados e aceitos pela nobreza da MPB ou pela academia. Os exemplos passam por Pixinguinha, Luiz Gonzaga, É o Tchan. E nem a bossa nova escapou. Foi chamada de mera cópia da música americana por Tinhorão.

— Por trás dessas reações está sempre o mesmo princípio: o preconceito. Mas não tem como. Tudo isso representa a música brasileira — diz Ney Matogrosso. — O funk, sim, é calcado na estética americana, e essa talvez seja minha única crítica. Mas o ritmo, eu adoro. Quanto ao aspecto sexual, não vejo problema. A umbigada vem lá dos escravos, né? É o tal negócio: se não gosta, come menos; se não se interessa, não ouve.

Fred Coelho, professor de Literatura da PUC-Rio, vai ainda mais fundo ao investigar o traço (racial, moral, social) que atravessa essas críticas há mais de um século. Ele explica que a leitura que se fazia dos artistas era determinada pelas origens deles: “músicos de favelas”, “de classe média”, “nordestinos”, “urbanos”, “caipiras”.

‘Minha tia dizia que a gente não fazia música, fazia ritmo. Fico imaginando o que ela diria de MC Loma’

— Nas últimas décadas, tais marcações foram deslocadas para temas mais políticos. As favelas tornam-se periferias tecnológicas globalizadas, caipiras dominam as paradas com as variações do sertanejo e músicos regionais produzem do tecnobrega e da guitarrada paraense ao som primoroso de Siba ou da rabeca da Thomas Rohrer.

Só a música de classe média — a canção popular radiofônica dos anos 1980 e 90 — permanece no mesmo lugar, segundo Coelho. E esse talvez seja um dos motivos das críticas, do estranhamento entre quem está estabelecido e quem chega como novidade. Uma dinâmica que pode até vir a ter efeitos positivos:

— A saída, talvez, seja entender que essa dinâmica faz com que parte do público ouça, sem distinção, Mr. Catra, Luan Santanna, Pabllo Vittar, Zeca Pagodinho e, certamente, Lulu Santos. Pode ser um aprendizado ver como um músico que é pura história da canção sofisticada brasileira, como Chico Buarque, comentou esse quadro em “Caravanas”.

O compositor João Cavalcanti concorda que há uma lógica de disputa, pontuada pelo moralismo. E compara:

— Se o ataque fosse à simplicidade das canções, atacariam Caymmi por dizer “se fizer bom tempo amanhã eu vou/ mas se por exemplo chover não vou”. É um ciclo tão previsível que o próprio criticado de ontem vira o crítico da vez — diz ele, lembrando que tanto Lulu quanto Vercillo já apanharam por fazerem sucesso.

Não que seja o caso de aderir de forma irrestrita a tudo o que vira viral, pondera Cavalcanti:

— Também me incomodo com determinadas repetições, fórmulas. E tenho certo bode do discurso que diz que algo é maravilhoso só porque é popular. Mas não posso usar meu gosto para dizer o que serve ou não ao povo.

No centro de tudo, ele aposta, está a dificuldade de compreensão do outro:

— Tem menos a ver com a qualidade em si do que com uma dificuldade de entendimento dos mundos diferentes que convivem num mesmo país.

‘(Os artistas populares) não precisam do aval de ninguém, a não ser desse público. Quanto tempo vão durar? Vai saber...’

A radialista Patricia Palumbo, do “Vozes do Brasil”, se afina na mesma percepção:

— Se é cultura de massa que o artista almeja, ele tem que ir atrás das massas, traduzir o que pensa e como vive esse público que não lê os clássicos, não vai a concertos, não foi ao cinema e muitas vezes nem à escola. É um desafio.

A Tropicália, que deu régua e compasso para que muito da música de origem popular fosse legitimada, era uma tentativa de diálogo com essa produção — fosse o pop internacional, fosse a música radiofônica ou das ruas do Brasil profundo. E sentiu os efeitos disso, recorda Tom Zé:

— Minha tia dizia que a gente não fazia música, fazia ritmo. Fico imaginando o que ela diria de MC Loma (do hit “Envolvimento”), que ouvi outro dia e achei muito simpática — ri o tropicalista.

Os donos dos hits seguem alheios ao debate, nota Zélia Duncan:

— Os sertanejos vivem num universo que nem alcançamos. Possuem aviões e plateias que enchem estádios, vários dias por semana. Não precisam do aval de ninguém, a não ser desse público. Quanto tempo vão durar? Vai saber...

Adriana Calcanhotto, que apanhou ao gravar Claudinho & Buchecha, não arrisca previsão, mas amarra a discussão citando um samba, com ar clássico, de outro tropicalista:

— Parece que “desde que o samba é samba é assim”.

Artigo publicado originalmente em O Globo

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