Salvador, 28 de March de 2024
Acesse aqui:                
Banner
facebookorkuttwitteremail
O incrível salto do hip-hop, com todos os seus movimentos. Por Rosita Boisseau
Ajustar fonte Aumentar Smaller Font
Cultura
Dom, 08 de Outubro de 2006 09:32

Apesar de conquistar jovens do mundo inteiro que o transformaram numa arte de múltiplas facetas, o estilo permaneceu em margem lá onde ele nasceu, em Nova York, nos anos 70

É pura energia concentrada e liberada, mais forte que uma bomba! Quem não curte a dança hip-hop, procriada pelo Movimento surgido no final dos anos 70 nos Estados Unidos, que combinou o rap com a arte dos "grafiteiros", a pichação de rua estilizada? Uma arte do asfalto, do gueto, cujo parto aconteceu em Nova York, ela surge em meio às minorias negras, as do Bronx em particular, um bairro particularmente assolado pela pobreza, o racismo, a guerra das gangues.

A expressão a mais exata da coragem de viver e da enorme dificuldade de encontrar seu lugar numa sociedade que o rejeita, o hip-hop junta os cacos de uma identidade individual que explodiu e, ao mesmo tempo, reúne e consolida as bases de grupos sociais marginalizados. Um fenômeno popular, urbano e também político, o hip-hop quer acreditar que é possível reverter o destino. Esse sabor universal explica a sua migração ultra-rápida na escala internacional, que fez com que ele recebesse traduções muito peculiares e originais pelo mundo afora, inclusive na França onde ele começou a se impor em meados dos anos 80.

A expressão "hip-hop" significa ao menos duas coisas. "Hip", que vem da gíria negra americana, se refere aos que estão "por dentro", enquanto "hop" significa dar pulos, saltar, e também baile, dança. Uma expressão tônica, o hip-hop faz jorrar a emoção da explosão no mesmo momento em que o som explode nas caixas de som, nas festas da molecada. Localizadas nas ruas, ou em casas e apartamentos sem proprietário, com apenas um equipamento ligado no poste de energia o mais perto, as festas hip-hop se multiplicam no Bronx e em Harlem. Formando círculos na pista, os dançarinos executam suas figuras acompanhando as deflagrações do ritmo visceral de "beats" tonitruantes mixados por DJs que "scratcham" - o movimento de vai-e-vem da agulha sobre o disco de vinil - mais rápido do que a sua própria sombra.

Emblemática, a "break dance", um estilo de dança no solo de origem nova-iorquina, gera façanhas físicas e malabarismos nunca vistos. Os corpos giram sobre a cabeça, transformam-se em piões com as costas no chão, tricotam com as pernas em todos os sentidos. O "break" (que significa "quebrar", mas também "estourar") dá livre curso às suas acrobacias fulgurantes, nas quais os corpos arremessados com toda velocidade e transpondo seus limites com uma jubilação voraz. Executado em pé, o "smurf", que consiste em fazer o corpo ondular e se contorcer tal um funâmbulo sobre um fio de alta tensão, inspirava-se nos famosos anões azuis, heróis de HQ, e era praticado com luvas brancas. Originário da Costa oeste, o "locking" se caracteriza pelos dedos indicadores apontados para cima, as rotações da bacia e os seus movimentos de cotovelos voltados para o exterior.

Que ela seja praticada na costa oeste ou leste, a dança hip-hop exige um treinamento rigoroso, uma grande intransigência para alcançar os píncaros do virtuosismo. Mas ela não se limita a ser uma exibição de perícia física. A sua mensagem positiva se desenvolve por intermédio da influência de um líder carismático, Kevin Donovan, mais conhecido pelo nome de Afrika Bambaataa.

Num período particularmente conturbado em que gangues rivais se enfrentavam até a morte no Bronx, conta a história que um dos seus melhores amigos, Soulski, que era um integrante assim como ele da gangue dos Black Spades, foi abatido por policiais. Chocado pelo ocorrido, Afrika Bambaataa decide então mudar de vida e torna-se DJ. É por meio das suas apresentações musicais que aprimora e faz circular uma mensagem não-violenta.

Donovan resolve adotar um nove nome, o de um chefe zulu que combateu os colonos ingleses. Em 1974, ele funda a Zulu Nation. Uma ousada mistura de todas as nacionalidades e cores, a dança atrai e reúne jovens de todas as origens e credos, e lembra as origens africanas dos negros americanos. Às pulsões negativas da gangue, ela substitui os valores positivos da paz e do respeito, que canalizam a energia por meio de desafios coreográficos. Com os riscos físicos assumidos que ela implica, a dança levanta-se contra a violência, a brutalidade. No mundo inteiro, todos os aprendizes de hip-hop, entre os quais se destaca a gangue da Rock Steady Crew, se reclamam da liderança de Afrika Bambaataa.

Recentemente, em 2005, Afrika Bambaataa, que continua até hoje por dentro no plano musical, esteve de passagem por Marselha. Contudo, ele deixou frustrados muitos dos seus admiradores franceses. "A gente achava que ele fosse falar com a turma, para evocar o movimento, o seu espírito", lamenta o coreógrafo hip-hop Hamid Ben Mahi. "Mas não aconteceu nada. Fiquei um pouco decepcionado. Ao que tudo indica, para ele o passado já era e está encerrado".

Mas, vamos voltar para os anos 80. A dança hip-hop irrompe nas periferias francesas. Desde o início, ela cativa os jovens "Black Blanc Beur" (negros, brancos, árabes e mestiços), conforme o nome adotado pela companhia pioneira lançada em 1984 por Jean Djemad. Graças ao cinema, por efeito de filmes tais como "Break Street 84" ou "Beat Street", e aos shows televisivos, ela se desenvolve e os seus seguidores se multiplicam.

Muitos são os atores do movimento que se lançam, copiando as figuras vistas na telinha. Max-Laure Bourjolly, da companhia Boogi Saï, que tinha 12 anos na época, treina na frente do seu espelho até rasgar o carpete. O mesmo acontece com Hamid Ben Mahi que, por sua vez, tem 11 anos quando se apaixona à primeira vista pelo break. "Os movimentos eram tão rápidos que a gente tinha a impressão de estar assistindo a um filme cujas imagens passavam em rotação acelerada", recorda-se Bem Mahi, rindo.

Esta transmissão pela imagem é típica do hip-hop: é imitando passo a passo as seqüências de gestos, às vezes dedicando meses a treinar um único movimento, que os dançarinos vão rivalizar com os seus colegas americanos.

Enquanto alguns conseguem superar seus modelos, os outros, ao menos, inventam um estilo próprio. Na França, uma das bases mais importantes dessa evolução são os programas radiofônicos do DJ Sidney, que foi rebatizado como "Sr. Culto do rap". Primeiro, na Rádio 7 com o programa "Rapper Dapper Snapper" em 1982, e, dois anos mais tarde, no canal de TV TF1, com "H.I.P H.O.P", o DJ Sidney apresenta para o grande público todos os principais pioneiros franceses do gênero, tais como Franck II Louise, Gabin Nuissier...

Aquele que mais tarde revelaria "eu não me dava conta nem um pouco de tudo o que o hip-hop iria desencadear", convida Afrika Bambaataa, e também os dançarinos do New York City Breakers, com os quais ele treina nos corredores da muito séria Radio France.

Desde o início dos anos 90, a dança hip-hop passou a se exibir nos teatros. A sua institucionalização, um fenômeno tipicamente francês que obviamente tem também muitos detratores, lhe confere uma amplidão irreversível. Os dançarinos e os coreógrafos passaram do número concebido para um show ou uma casa noturna para espetáculos sofisticados, da demonstração de virtuosismo para a encenação de um mundo.

Mas, para dar o salto, a partir da rua ou do pátio do conjunto habitacional até a sala escura, a questão das letras torna-se crucial. Um passo de gigante que exigiu um trabalho pesado e um processo de criação muito tenso.

Lugares tais como o Teatro Contemporâneo da Dança, em Paris, festivais tais como o Suresnes Cidades Dança ou os Encontros de la Villette impulsionam o movimento. As estrelas americanas Doug Elkins ou a Rock Steady Crew neles se apresentam enquanto as companhias francesas começam a se estruturar - elas têm por nomes Farid Berki, Mourad Merzouki, Kader Attou ou Stéphanie Nataf -, injetando aos poucos nos seus espetáculos as sementes férteis das suas origens, que elas sejam árabes, africanas ou latinas.

Apesar de a dança hip-hop ainda enfrentar dificuldades, sobretudo para conquistar seu status de forma de arte, ela rejeita a armadilha social na qual muitos querem aprisioná-la, e afirma sua legitimidade artística. Os expoentes do hip-hop querem acabar com "o complexo do oprimido", segundo a expressão de Farid Berki, que visa a reduzi-los a clichês. Enriquecendo a sua prática junto a coreógrafos contemporâneos, os praticantes do hip-hop também injetaram uma eletricidade mordaz em algumas das suas criações, mesmo que correndo o risco, de vez em quando, de se sentir "recuperados". Os "contemporâneos", tais como José Montalvo e Dominique Hervieu, Zaza Disdier, Blanca Li, Dominique Rebaud, Nathalie Pernette e muitos outros, souberam capturar o espírito generoso, a verve ofensiva de um movimento junto ao qual a moda - no sentido amplo desta palavra - vem abastecer.

Em contrapartida, nos Estados Unidos, os dançarinos seguem atuando mais ou menos em margem. Quando Hamid Ben Mahi parte para estudar na escola de Alvin Ailey em Nova York, no final dos anos 90, ele sonha encontrar as figuras míticas que deram combustível para a sua vocação. Após ter procurado por elas durante um bom tempo, ele as encontra em casas noturnas, em ginásios de Chinatown e do Bronx. Nas ruas, também. Na Internet, por intermédio da qual as convocações para as "batalhas" circulam, ele se conecta com o "B. Boy World" nova-iorquino.

No mesmo momento, as "batalhas", esses campeonatos de dança hip-hop, se multiplicam na França e passam a integrar uma rede internacional. Mais underground, eles valorizam a performance, a invenção gestual, assim como uma certa contestação. Paralelamente, aumentam as discrepâncias entre os partidários das "batalhas" e os da dança chamada "de criação". Alguns estilos históricos desaparecem aos poucos. É o caso do "smurf" ou do "locking". "Os jovens possuem um virtuosismo incrível, mas eles estão perdendo de vista a origem do hip-hop, o seu espírito que faz dele, muito além de uma técnica, um pensamento do corpo e do mundo", insiste Hamid Ben Mahi.

Num sinal da irresistível ascensão e do crescente poderio da dança hip-hop, ela se torna não só uma arte no sentido pleno da palavra, como também o passa-tempo de centenas de praticantes que lotam os cursos de dança. Dentre os recém-chegados do movimento, com os quais vai ser preciso contar daqui para frente, segundo Hamid Ben Mahi, devem ser citados os Coreanos, furiosos competidores, e os guineenses, já reunidos em federações de dança. O combate hip-hop invadiu o planeta, tornando-se a linguagem comum de jovens que vivem a anos-luzes uns dos outros. Uma vitória inacreditável.

Para entender melhor a evolução do movimento, de um ponto de vista global, vale acessar dois sites na Internet (em inglês): www.zulunation.com e www.bboyworld.com.

Publicado originalmente no Le Monde
Tradução: Jean-Yves de Neufville

Compartilhe:

 

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar

FOTOS DOS ÚLTIMOS EVENTOS

  • mariofoto1_MSF20240207-147Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 2. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240207-023Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 1. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-045Fuzuê Alb 1. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-178Fuzuê Alb 2. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-237Fuzuê Alb 3. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-374Fuzuê Alb 4. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-0878Beleza Negra do ilê. Alb 1. 13.01.24 By Mario Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1149Beleza Negra do ilê. Alb 2. 13.01.24. By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1426Beleza Negra do Ilê. Alb 3. 13.01.24 By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1624Beleza Negra do Ilê. Alb 4. 13.01.24 By Mário Sérgio

Parabéns Aniversariantes do Dia

loader
publicidade

GALERIAS DE ARTE

HUMOR

Mais charges...

ENQUETE 1

Qual é o melhor dia para sair a noite?