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O golpe das privatizações e o fim do neoliberalismo. Por Andre Motta Araujo
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Economia
Dom, 20 de Dezembro de 2020 20:35
Andre-AraujoUm dos maiores “fake news” do pensamento econômico do século XX, nascido nos anos 70, foi uma falsa repaginação dos conceitos de Adam Smith vendido ao mundo como “neoliberalismo”.
Nascido na Inglaterra, poucos países compraram esse conceito, grandes economias emergentes do pós-guerra, como Índia e China, não tomaram conhecimento, EUA não precisaram aculturar esse conceito porque lá o capitalismo era genético, era assim desde sempre, o capital construíra o país, mas partes importantes da economia ficaram a cargo do Estado e assim continuaram até hoje, o país não foi afetado pelo “neoliberalismo” inglês, mantido nos cursos como receita para terceiros países, como os da América Latina especialmente.

Nos EUA, o Estado construiu um vasto sistema de apoio aos pequenos e médios negócios, a Small Business Administration, na realidade um banco de financiamento que até hoje já emprestou mais de 1 trilhão de dólares; um vasto sistema de hipotecas para moradias, a Fannie Mae e a Freddie Mae; assim como a Farm Loan, Veterans Loan e outras redes de financiamento de moradias.

No crédito rural, a União criou um imenso sistema de financiamento baseado na Commodity Credit Corporation, também o maior sistema de subsídios agrícolas do mundo, que permite até exportar etanol de milho, completamente antieconômico, para países que inventaram o mais racional etanol de cana-de-açúcar, como o Brasil.

Mas o que demonstra mais ainda o caráter prático e não ideológico da economia norte-americana é o uso do Estado quando necessário, como no combate à Grande Depressão de 1929, enfrentada pela Reconstruction Finance Corporation, que salvou 8 mil bancos e 200 mil empresas, recuperando uma economia que apresentou índices de desemprego de 20% em 1933. Também na crise de 2008 foi o Tesouro dos EUA quem salvou megaempresas como a seguradora AIG e a General Motors, além de superbancos como o Citigroup, com um plano de apoio criado em uma semana, de US$ 708 bilhões, emprestados pelo programa Tarp.

Os EUA nunca foram neoliberais porque sempre foram pragmáticos, uma economia do Estado e outra do mercado privado, uma apoiando a outra. O chamado “neoliberalismo”, subseita do antigo pensamento liberal britânico, foi propagado pela América Latina, seu maior laboratório de aplicação, especialmente México, Chile, Argentina e Brasil. Não prosperou na Ásia com sua cultura própria e muito menos na Europa continental com suas sólidas crenças no papel do Estado social.

Curiosamente o “neoliberalismo” como credo foi ensinado nas universidades norte-americanas para ser aplicado fora dos EUA, quer dizer, na América Latina.

O falso caminho das privatizações

O capitalismo norte-americano construiu a maior parte do sistema elétrico dos EUA, a base de usinas termoelétricas para cada região, tudo formado pelo capital privado desde o início. Nada foi construído pelo Estado e depois vendido, como no Brasil já se fez e se pretende fazer mais.

Mas há uma exceção importante. A energia hidrelétrica no vale do Rio Tennessee foi inteiramente desenvolvida pelo governo federal americano, a energia hidro supre 15% da matriz norte-americana e nenhum presidente pretendeu privatizar a TVA, autarquia dona das usinas porque entendem que água e seus reservatórios e represas são um bem público, não podem ser privatizados, bem como as usinas dela derivadas. Depois da TVA outros projetos hidros foram desenvolvidos no Rio Colorado, servindo para produção de energia e grande irrigação agrícola na Califórnia.

O neoliberalismo, portanto, não se aplicou aos EUA no sentido de diminuir o papel do Estado que sempre foi central na economia norte-americana, ao contrário do que pregam aqui.

O caso do Brasil

No Brasil, sempre o capital privado pode investir em energia elétrica, nunca foi proibido. Chegou-se nos anos 40 e 50 com uma situação crítica. A maioria das cidades do interior não tinha energia elétrica de qualidade, muitas funcionavam até 10 da noite e depois se desligava, havia usinas hidro particulares por todo o Brasil.

No interior do Estado de S.Paulo, a Companhia Paulista de Força e Luz, de capital norte-americano (Grupo Bond & Share) atendia mal seu mercado, não investia. Havia outras empresas menores de capital nacional, como a Bragantina, que existiam por todo o Brasil, mas o Brasil não se desenvolvia por falta de energia, tendo enormes rios que podiam ser represados, mas não havia capital privado interessado em investir ou com recursos para investir. Veio então o Estado e construiu o maior parque hidroelétrico do planeta com recursos públicos.

Veja-se que é completamente diferente dos EUA, onde o capital construiu a base de geração e distribuição em cada região, com exceção das usinas hidro federais, como a TVA.

Mais ainda, o Estado brasileiro montou um sistema único de transferência e transmissão pelo qual se pode passar energia de Norte a Sul e vice-versa, com imensos investimentos em linhas de transmissão, tudo com dinheiro público. Esse sistema não existe nos EUA, onde a energia é regionalizada. O Estado brasileiro construiu mais de cem reservatórios, alguns deles dos maiores do mundo.

Os alucinados neoliberais brasileiros querem então vender por uma fração do preço de custo esse imenso investimento público que hoje não se faria por menos de 500 bilhões de dólares. Portanto, são uma história e um modelo completamente diferentes dos EUA. Mais ainda, no conceito norte-americano, não se vende nada relacionado à água, nunca se cogitou de vender reservatórios de água que, além da energia, têm um valor estratégico para outros fins.

Dois dos três sistemas de bacias da antiga Cesp já foram vendidos ao capital privado. Executivos norte-americanos e chineses, hoje donos desses sistemas, em conversas privadas, estão satisfeitos com a compra, mas confessam que acham incrível que o Estado brasileiro venda represas imensas para o capital privado estrangeiro. Ouvi essa conversa reservada em um dos grupos que compraram pedaços da Cesp, grupo para o qual trabalhei na cúpula por muitos anos, portanto sou insuspeito para dizer que até eles acharam estranho um país vender imensos reservatórios estratégicos que servem para muito mais coisa do que energia, água é um tesouro a ser resguardado por um país organizado.

Portanto, maior mega absurdo é pensar em vender a Eletrobras, uma das três maiores empresas de geração de energia do mundo, com 147 usinas e mais de 60.000 km de linhas de transmissão, espinha dorsal da economia de um país. Só gente doida e pensando em negócios exclusivamente poderia ter semelhante ousadia. Rússia e China, que também têm imensos parques hidrelétricos, preservam o controle do Estado sobre esses sistemas estratégicos. Nos EUA, o que o Estado fez com o Estado fica, não se vende bem público.

O neoliberalismo à brasileira é de golpes para o “mercado” que quer comprar de graça o que custou muito caro, e os que defendem as privatizações são figuras com laços fortíssimos com esse “mercado” de golpes e jogadas, comprar barato, quase de graça o que outros fizeram com dinheiro público, essa é a tradução do neoliberal latino.

Está ai o Chile em frangalhos, com megaconcentração de renda e um povo na miséria, uma sociedade desintegrada pelo neoliberalismo de exportação das universidades norte-americanas que lá não praticam o que ensinam. Por que não privatizam os sistemas de águas nos EUA, as rodovias pedagiadas, os transportes coletivos em cidades? Não há político norte-americano algum, nem Trump, que tenha proposto um programa neoliberal nos EUA. Lá o que é do Estado, e é muita coisa, continua sendo do Estado.

O enterro do neoliberalismo

O conceito de “neoliberalismo” na expressão de sua impulsionadora, a primeira-ministra Margaret Thatcher, era uma reação ao Estado de bem-estar social na Inglaterra dos anos 70. Só serviu aos problemas fiscais específicos do governo inglês, especialmente no campo de mineração de carvão e suas aposentadorias. Thatcher tentou desmontar o sistema de seguro-saúde público e não conseguiu.

Hoje a memória de Mrs.Thatcher foi demonizada na Inglaterra, virou pó, tais os danos que sua política causou ao Reino Unido. O seu “neoliberalismo” foi uma proposta demoníaca não seguida por nenhum outro país do continente europeu. Na França, por exemplo, a EdF, grande companhia elétrica, segue controlada pelo governo francês, inclusive com investimentos no Brasil, há forte papel do Estado na maioria dos países da União Europeia e seus sólidos sistemas de saúde gratuitos.

O fim do ideal “neoliberal” deveria acender uma luz amarela no Brasil, não é mais época de privatizações e sim de o capital privado construir ativos novos. Há espaço no Brasil para investimentos em muitos setores, mas é o Estado, através de suas estatais e BNDES, quem garantiu o crescimento a taxas altíssimas entre 1950 e 1980.

As estatais com suas compras de bens e serviços e o BNDES financiando a expansão das empresas, esse foi o modelo vitorioso, e não a simples transferência de ativos nacionais a grupos especulativos, plano fracassado na Argentina, que vendeu tudo, até o Jardim Zoológico de Buenos Aires, e afundou em uma recessão interminável; o Chile cavou com a receita neoliberal uma megacrise social ainda não resolvida; o México perdeu o rumo de um país próspero e hoje vive rastejando frente ao seu vizinho do Norte.

O neoliberalismo foi uma doutrina diabólica que trouxe miséria e desemprego nos países onde seu receituário especulativo foi aplicado. O Brasil pré-neoliberal era mais justo, mais igualitário, mais próspero e mais forte do que o Brasil que surgiu da Era das Privatizações dos anos 90.

Agora, por causa do conceito neoliberal, a Petrobras, uma das 20 maiores petroleiras do mundo, está sendo retalhada e vendida em pedaços até acabar. Enquanto as demais estatais do petróleo, 12 das 20 maiores empresas de petróleo globais, estão crescendo e investindo em forte expansão, a Petrobras, a 2ª mais antiga, caminha velozmente para a extinção.

É toda uma cultura de jogadas financeiras, como vender pacotes de ações na Bolsa até perder o controle, fizeram com a BR Distribuidora: a Petrobras se desfez do controle sem cobrar o universal “prêmio de controle”. É negócio que deve ser feito com a Eletrobras, no espírito do “neoliberalismo do Leblon”, uma vida mantida com jogadas.

A trajetória econômica das privatizações

Nos leilões de ativos do povo brasileiro colocados à venda aparecem, no clima econômico de hoje, especuladores, fundos abutres e empresas de 2ª linha. Os compradores imediatamente após a compra começam o processo de corte de folha, despedindo os funcionários mais antigos para colocar no lugar jovens mais baratos, vendem pedaços e prédios, cortam serviços, começam a importar de suas matrizes, todo um caminho que vai contra o interesse nacional. Não compram mais um parafuso no Brasil. A Vale, logo que privatizada, fez mega encomenda de navios na China; os estaleiros nacionais hoje estão quebrados, mas já construíram muitos navios para a Vale estatal.

As “privatizações” são estimuladas pelos “mercados” porque são campos de jogadas de bolsa, IPOs, golpes, apostas cambiais, tudo o que o mercado gosta, mas são um perda para o país a longo prazo. No meio século da Vale estatal, nenhuma represa se rompeu; na Vale privatizada, duas grandes estouraram provocando cerca de 400 mortes, resultado de corte de custos para gerar megabônus para a diretoria. Esse o grande balanço da Era das Privatizações do primeiro ciclo neoliberal.

E não se cite o caso da telefonia como exemplo. Nesse campo houve uma revolução tecnológica que mudou completamente o modelo de negócios, que aconteceria com ou sem privatização, porque a telefonia celular é um campo competitivo por sua própria natureza, então é um caso específico que não serve de exemplo, como citam os “neoliberais”.

O Brasil hoje afunda em um projeto econômico falido, de negação de políticas públicas, repudiado na Europa, EUA e Ásia, um novo ciclo pós pandemia recomeça a construção de uma economia mundial mais equalitária para reparar os estragos da pandemia, com forte ação do Estado, a ideologia privatista não encontra mais espaço no globo.

A nova onda pós-pandemia

A economia do mundo pós-pandemia se volta para políticas públicas visando relançar a economia, o oposto do neoliberalismo dos anos 70. Esse é o caminho que resgatará a economia brasileira, hoje em profunda crise de emprego e renda. Será pela ação do Estado, como fará nos EUA no Governo Biden e seu pacote de estímulos. É uma economia para o interesse nacional e não para os “mercados” concentradores de renda. O Brasil deve se adaptar a um novo ciclo mundial onde não há lugar para o carcomido neoliberalismo.

Andre Motta Araujo é advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica e presidente da Emplasa – Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo.

Artigo  publicado originalmente em https://monitormercantil.com.br/o-golpe-das-privatizacoes-e-o-fim-do-neoliberalismo/

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