Não chore pela escravidão, Míriam. Vocês puseram Temer lá. Por Feernando Brito |
Cidadania | |||
Ter, 17 de Outubro de 2017 03:39 | |||
A revelação feita hoje cedo pelo blog do Leonardo Sakamoto de que uma portaria do Ministério do Trabalho dificulta a autuação e a punição das empresas que praticam o trabalho escravo, está provocando reações na mídia, cheias da hipocrisia de quem sempre soube que o golpe foi, entre outros, apoiados pelos que querem fazer retroceder os direitos do trabalhador. Ou não vimos os jornais, em coro, dizer que a proteção das leis trabalhistas eram um entrave ao nosso crescimento econômico? Será que passou despercebido o dilema francamente exposto por Jair Bolsonaro, que, entre uma continência à bandeira americana e gritos de “USA, USA!” disse que o trabalhador deveria escolher entre ter direitos ou ter emprego? Mas nada é mais risível que a revolta de Miriam Leitão, que virou manchete no site de O Globo, aformando que a “portaria do trabalho escravo é vitória das forças do atraso‘. Essa é mais uma medida de retrocesso social do país. Nos últimos anos já vinha sendo dificultada a divulgação da lista dos que foram flagrados em prática de trabalho escravo. Agora, por portaria do Ministro do Trabalho fica decidido que só ele pode divulgar a lista, e que só pode haver flagrante com a polícia, e que trabalho degradante e jornada excessiva não entram na mesma lista. Foi mais um pedido da bancada ruralista que o presidente aceita dentro do seu esforço para barrar a segunda denúncia. Peraí, Miriam: “mais uma medida de retrocesso social no país”? Quais foram as outras? A antirreforma trabalhista, que entra em vigor agora, substituindo a relação de emprego por contratos de “PJ”, sem direitos? A retirada, felizmente empacada, da aposentadoria ou seu adiamento para o “dia de São Nunca”? O aumento dos anos de contribuição exigidos para o trabalhador rural pensar em ter um benefício? Ora, Miriam, mas vocês não puseram no poder as “forças do atraso”? Agora reclama que elas se comportem como sempre foram? E como reclamar que Michel Temer está comprando com medidas como essa a recusa ao processo que o MP quer que se mova contra ele? A ilustre colunista nada sabia sobre as práticas do PMDB e o que ele exigia em troca de uma “governabilidade” que negou, desde quando Dilma Rousseff – aquela mesmo que a senhora odeia – foi apertando os cordéis para tirar os indicados da politicalha dos cargos de direção que ela sempre exigiu? A questão do trabalho escravo, há muito tempo, é um paradoxo. Os fiscais do Trabalho tinham completa autonomia para agir e a tal “lista” nem sequer é assinada pelo Ministro do Trabalho, mas por quem ocupa a Secretaria de Inspeção do Trabalho. Se alguma falha tinha – e foi largamente explorada no Judiciário – é que a lista e suas sanções eram reguladas por portaria, não por lei. E sabe porque, Miriam, não o eram por lei? Porque os valorosos parlamentares que derrubaram Dilma Rousseff jamais a aprovariam na forma em que era formulada, de acordo com as regras da Organização do Trabalho, o que Dilma penou para conseguir, só em 2014, aprovar a desapropriação de propriedades onde ocorresse trabalho escravo (que tramitava como Emenda Constitucional desde 1979) e que os ruralistas só engoliram acrescendo um processo “definido em lei”. Lei, claro, que não saiu. Quem bota o lobo no poder, Míriam, não pode chorar pelas ovelhinhas. Para continuar no reino animal, serão lágrimas de crocodilo. Artigo publicado originalmente em http://www.tijolaco.com.br/blog/nao-chore-pela-escravidao-miriam-voces-puseram-temer-la/
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