Viramos referência mundial. De acordo com um dos vários estudos internacionais que elogiaram nossa ação, evitando internações, o Brasil pode ter poupado 2,2 bilhões de dólares entre 1996 e 2004. É mais barato prevenir complicações do que tratar doentes, especialmente com UTI.
Enquanto isso, a África do Sul foi por um caminho terrível. O Ministério da Saúde do país não interagia com organizações não governamentais, e em 1994 sua reorganização complicou muito o combate ao vírus, pois a responsabilidade foi transferida para as províncias que ainda dependiam de recursos federais.
Em 1999, a situação ficou pior. O presidente sul-africano eleito Thabo Mbeki ignorou o consenso científico e seguiu a linha de negacionistas internacionais, um deles nobelista, que diziam que o perigo do HIV era exagerado. Para eles, a Aids era uma doença causada por fraqueza.
Mbeki ignorou recomendações internacionais de órgãos como a OMS e não realizou campanhas nacionais de prevenção e testagem preventiva.
Mesmo com casos aumentando e milhões de sul africanos contraíram HIV, Mbeki continuava propagandeando uma terapia controversa rejeitada pela ciência, que já promovia antes de ser eleito.
Um composto chamado virodene, capitaneado por Olga Visser, uma pesquisadora da Universidade de Pretoria que mentiu sobre seu vínculo com uma instituição de medicina portuguesa. O composto acabou sendo testado em hospitais militares e não funcionou.
Empresários associados à Mbeki aparentemente estavam lucrando com o investimento do governo no virodene. Hoje, praticamente um quinto do país tem HIV e a estimativa de vários estudos é que a negligência do presidente resultou na morte evitável de mais de 350 mil sul africanos.
Quanto ao caminho que seguimos com a Covid-19, a maior dúvida é quantas mortes evitáveis teremos.
Atila Iamarino
Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia
Artigo publicado originalmente em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/atila-iamarino/2020/09/quando-o-brasil-respondeu-a-altura.shtml