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Análise: o novo contrato social chinês. Por Frédéric Bobin
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Meio Ambiente & Sustentabilidade
Qui, 05 de Junho de 2008 02:49
A China acaba de passar por uma sucessão de crises sem precedente desde os primórdios da era das reformas econômicas, iniciada há um quarto de século. No espaço de poucos meses, ela viu a parte meridional do seu território ficar paralisada por violentas tempestades de neve (em fevereiro), as suas áreas de povoamento tibetanas se amotinarem (em março), e a província do Sichuan ser devastada por um terremoto cujo balanço deverá ser de mais de 85.000 mortos. Para uma nação cujas atenções estavam voltadas, sobretudo, para a festa olímpica do próximo verão, o choque é rude. Não era preciso de muito mais do que isso para ver surgirem aqui e ali diversos questionamentos - preocupados ou deleitados - em relação à capacidade do Partido Comunista Chinês (PCC) de administrar esses abalos. Esta série de desastres não iria provocar rupturas que apresentariam riscos, no médio prazo, de minar o regime chinês? Neste caso, os observadores voltam a falar, por exemplo, da catástrofe de Chernobyl (1986) e do seu impacto mortal sobre o sistema soviético.

Existe um ponto fraco inerente a um grande número de análises sobre a China: elas continuam recorrendo até hoje ao arsenal de ferramentas conceituais que se aplicavam ao contexto da era da antiga União Soviética. O postulado desta grade de leitura é o seguinte: a existência do PCC à frente da China constitui uma anomalia à qual a História não tardará a pôr fim de uma maneira ou de outra. O regime vai acabar desmoronando. Até lá, basta permanecer à espreita do choque que desfechará a estocada fatal. Uma vez que a insurreição democrática da Primavera de Pequim, em 1989, fracassou - sendo esmagada em meio a um banho de sangue -, o movimento de protesto social de todos aqueles que foram "esquecidos" pelo crescimento e dele não puderam usufruir deverá tomar o seu lugar. Além disso - por que não? - uma série de desastres naturais, revelando a incúria do poder, poderia coagular as contradições do sistema e acelerar o advento da queda final.

Toda vez que uma crise desta natureza ocorre na China, estes pressupostos passam a irrigar infalivelmente as análises. Vale acrescentar que todos aqueles que prevêem esta queda final estão amparados em circunstâncias atenuantes: os próprios dirigentes chineses vivem dominados por esta ansiedade de perderem o "mandato do céu" e de serem varridos por uma revolta popular, da mesma forma que os ciclos dinásticos que vêm imprimindo seu ritmo na história chinesa há mais de dois mil anos. Contudo, há um aspecto que os anunciadores da queda final não estão enxergando. Acontece que o reflexo de sobrevivência do regime conduz este último a adquirir características inéditas na história dos PC mundiais. Não é mais possível, atualmente, descrever a hierarquia dos dirigentes chineses como sendo uma gerontocracia arcaica, obsoleta, doutrinária, fossilizada em dogmas de uma outra era.

Enquanto ele continuou sendo um partido único autoritário, esmagando sem piedade os seus opositores, o PCC foi se transformando num aparelho de grande capacidade de reação, pronto para promover ajustes internos, e até mesmo para a autocrítica, prospectando incansavelmente, no exterior, modelos de eficiência, sem nenhum tabu. Foi esta maleabilidade que lhe permitiu encaminhar a China sobre os trilhos do liberalismo econômico, enriquecendo globalmente o país. E consolidando paralelamente o seu embasamento político.

É possível - é necessário! - denunciar as violações dos direitos humanos na China, e ao mesmo tempo permanecer lúcido em relação a esta realidade da nova equação política chinesa: o PCC foi capaz de restaurar a sua legitimidade aos olhos de uma parte da população. Se ele não tivesse procedido desta forma, ele já teria desmoronado. A sua espantosa longevidade, considerando-se o ciclo ideológico do século 20, encontra apenas parcialmente a sua explicação na sua natureza repressiva. Ele a deve também à sua capacidade de celebrar um novo "contrato social" com a população. Este contrato se baseia em dois pilares principais.

Em primeiro lugar, a eficiência econômica, que conduziu o PCC a contar com o respaldo das camadas sociais emergentes urbanas, conectadas com a globalização. O regime nunca se cansou de vangloriar e agradar esses novos grupos que, embora permaneçam proibidos de praticarem todo ativismo político, vão se desenvolvendo e prosperando dentro de uma esfera privada cada vez mais autônoma.

O "escândalo das escolas"
Quanto às camadas que permaneceram menosprezadas ou que foram vítimas da reforma econômica, constituídas por um pequeno povo brutalizado pela cupidez que predomina em aparelhos locais tão tirânicos quanto corruptos, elas podem até mesmo se revoltar, motivadas por uma causa pontual, mas seria apressado demais atribuir-lhes intenções revolucionárias. O seu combate tem como alvo o poder local, e não o poder central, cuja arbitragem tem sido solicitada de maneira constante.

A relação não é binária, mas sim triangular, uma vez que o regime de Pequim tornou-se exímio na arte de sancionar seus pequenos chefes de modo a apaziguar as cóleras do povo. Ao que tudo indica, esta tendência poderá ser verificada mais uma vez quando o "escândalo das escolas" do Sichuan, cuja incapacidade de resistirem aos abalos do terremoto revela a gravidade da corrupção local, deverá ganhar em intensidade no decorrer das próximas semanas.

O segundo pilar deste novo "contrato social" que contribuiu para firmar a autoridade do PCC é o patriotismo. Ou o nacionalismo, como preferirem. Nos dias que se seguiram ao trauma de Tiananmen (1989), que havia cavado uma fossa abissal separando o poder da sociedade, o partido reabilitou deliberadamente as temáticas nacionais, exaltando a grandeza da China eterna, e valendo-se ao mesmo tempo das obsessões decorrentes da paranóia do complô ocidental. O cálculo consistiu em elaborar uma ideologia de substituição ao marxismo periclitante e a estimular sentimentos capazes de se contraporem ao "perigo" democrático. Não há como deixar de constatar que a operação foi bem-sucedida, muito além de todas as esperanças. A população chinesa, e, sobretudo, a sua elite econômica e intelectual, mostra-se reconhecida para com o PCC, por este ter apadrinhado um expansão econômica que voltou a instalar a China no mapa do mundo. Quando eles voltam a examinar, em retrospecto, uma História recente que revelou ser das mais calamitosas, um grande número de chineses não esconde o seu "orgulho" com o caminho que foi percorrido. O "amor pela China", que a juventude chinesa, daqui para frente, passou a professar, constitui um grito do coração que teria sido impensável durante os anos 1980, quando os estudantes se mostravam antes aflitos diante do arcaísmo do seu país.

O PCC sai fortalecido por estes novos desdobramentos que dão forma à nossa época. Enquanto a crise tibetana fez com que ele caísse do cavalo no contexto diplomático internacional, ela exerceu um efeito contrário no cenário interno: a opinião chinesa han, para a qual o fato de o teto do mundo pertencer à China não pode ser objeto de discussão alguma, optou antes por se mobilizar no sentido de prestigiar o poder central, mostrando-se solidária diante das críticas do Ocidente. Após ter se mostrado agressivamente ufanista no caso do Tibete, este mesmo "amor pela China" acaba de adquirir uma característica mais pacífica e positiva nos dias que se seguiram ao terremoto no Sichuan, tomando a forma de um excepcional movimento de solidariedade no âmbito da população.

Chegou a hora da celebração da "China unida". É difícil imaginar como tais desdobramentos poderiam fragilizar o PCC. Obviamente, o desafio, para ele, será de se mostrar à altura deste novo civismo que deverá tender a se mostrar mais e mais exigente. Contudo, o poder central está lidando com forças sociais que de maneira alguma estariam dispostas a jogar fora o bebê junto com a água do banho, ou seja, a se livrarem do PCC, correndo o risco de rescindir o "contrato social" do qual ele é o portador. Ao menos por enquanto, em todo caso.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
Publicado originalmente pelo Le Monde

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