Não chame um nazista de nazista: a reação da extrema direita a uma nota de jornal. Por Kiko Nogueira |
Dando o que Falar | |||
Qui, 30 de Julho de 2015 00:40 | |||
A extrema direita brasileira adjetiva todo e qualquer cidadão com o qual tenha divergências, reais ou imaginárias, de “comunista”. Eu sou comunista. Você. Sua mãe. Seu cunhado. Qualquer ser vivente que não concorde, digamos, com uma manifestação coxa é, cuspido e escarrado, um vermelho e deve se mudar para Cuba. Agora, experimente chamá-los de “nazistas”. Experimente, ainda, dizer que alguns — alguns — desses grupos direitistas usam símbolos nazistas. A reação a uma nota na coluna do jornalista Ilimar Franco no Globo dá a dimensão das convicções democráticas desses grupelhos. Ao comentar o desempenho de Jair Bolsonaro numa pesquisa eleitoral da MDA, ele escreveu o seguinte:
A histeria coletiva diante de uma observação expressada em mirradas linhas inundou a internet de uma indignação desproporcional, que só pode significar o seguinte: acusamos o golpe. Um certo Renan Santos, co-líder do Movimento Brasil Livre juntamente com Kim Kataguiri, gravou um vídeo — ou melhor, um “pronunciamento oficial” — em que aparece apoplético, sugerindo que o jornalista deveria ter sido censurado. “Não aconteceu nada. A equipe editorial do jornal (?!?), a equipe de produção (?!?) deixaram passar numa boa”, grita. Santos acusa Ilimar de ser um “militante escondido” e avisa que ele será processado. “Você vai ter que nos engolir”, ameaça, babando, para emendar numa conversa maluca e no aviso de que Ilimar será processado. É um pessoal tolerante. Um sujeito já fala numa “guerra midiática”. Outro afirma que “tem que soprar forte o vento contra estes jornalistas de porta de zona”. Olavo de Carvalho anuncia que “tem que pegar o Otário Frias, o João Roberto Marinho e chamar de filho da puta, vagabundo”. Outro, ainda, sugeriu eugenia num email a Ilimar Franco: “O Brasil precisa ser limpo, das estatais aparelhadas pelos petistas até certo jornalismo emporcalhado pelos Ilimares”. https://www.youtube.com/watch?t=34&v=OMZ90HWqFYE
E por aí afora. É claro que apelou-se à Lei de Godwin (aquela que reza que qualquer pessoa perde uma discussão ao invocar os nazis). Mas, se alguém age como nazista, com que você deve compará-lo? Marcello Reis, o chefão dos Revoltados On Line, com seu uniforme eterno, sua retórica assassina, a preconização da violência física, a intenção de eliminar um partido, parece o quê? Gente que vai a protestos com uma camiseta amarela estampada com quatro dedos sujos de óleo, tirando sarro de um defeito físico, parece o quê? O discurso rasteiro e seletivo contra a corrupção foi usado amplamente pelo nacional socialismo para atacar a República de Weimar. Remete a quê? “Os comunistas estão buscando destruir nosso país”, dizia o velho Adolf. Lembra quem? O nacionalismo biruta do pessoal que prega a intervenção militar e desfila em carro aberto com torturadores e uma bandeira integralista — qual é a inspiração? O messianismo, a ideia fixa de que esses homens e mulheres de bem estão salvando a pátria de um mal maior, é similar a quê? A tendência de negar realidades desagradáveis, mesmo enquanto eles estão ocorrendo, é arriscada. Na pior das hipóteses, é perigoso: as pessoas não vão lutar contra algo que supõem ser um exemplo extremo e uma impossibilidade. Ironicamente, esse povo faz o que acusa a “ditadura bolivariana” de fazer: tentar calar a boca de vozes dissonantes na marra. Tudo com a ajuda de Deus, naturalmente. “Não podemos parar”, gosta de repetir Marcello Revoltado Reis. “Juntos somos mais fortes e com Deus na nossa frente somos imbatíveis”. Ou, como dizia o führer: “Eu acredito que estou agindo de acordo com a vontade do Criador e lutando pelo trabalho do Senhor”. Sobre o AutorDiretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
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