China: tudo seguindo de acordo com o planejado. Por Pepe Escobar |
Dando o que Falar | |||
Sáb, 29 de Agosto de 2020 08:20 | |||
Vamos começar com a história de uma incrível reunião de cúpula que desapareceu. Esse ritual de Beidaihe foi estabelecido por ninguém menos que o Grande Timoneiro Mao, que amava a cidade onde, não por acidente, o Imperador Qin, o unificador da China no século III a.C., mantinha um palácio. Como 2020 está sendo, até agora, um notório “Ano de Viver Perigosamente”, não é de se surpreender que o encontro de Beidaihe não foi visto por ninguém. No entanto, a invisibilidade de Beidaihe não significa que este não tenha acontecido. A primeira evidência foi o fato de que o premiê Li Keqiang simplesmente desapareceu da vista do público por quase duas semanas – depois que o presidente Xi presidiu uma reunião crucial do Politburo no final de julho, onde o que foi estabelecido era nada menos que toda a estratégia de desenvolvimento da China para os 15 anos seguintes. Li Keqiang ressurgiu presidindo uma sessão especial do todo-poderoso Conselho de Estado, assim como o principal ideólogo do PCCh, Wang Huning – que por acaso é o número cinco do Politburo – apareceu como convidado especial em uma reunião da Federação da Juventude de Toda a China. O que é ainda mais intrigante é que, lado a lado com Wang, se encontrava Ding Xuexiang, ninguém menos que o chefe de gabinete do presidente Xi, bem como três outros membros do Politburo. Nesta variação de “agora você os vê, agora não”, o fato de que todos eles apareceram em uníssono, após uma ausência de quase duas semanas, levou observadores chineses a concluir que Beidaihe de fato havia ocorrido, ainda que nenhum sinal visível de ação política à beira-mar tenha sido detectado. A narrativa semioficial é que nenhuma reunião aconteceu em Beidaihe por causa da covid-19. No entanto, é a evidência número 2 que pode fechar a questão para sempre. A já famosa reunião do Politburo no final de julho, presidida por Xi, de fato selou a sessão plenária do Comitê Central em outubro. Tradução: os contornos do roteiro estratégico que está por vir, já haviam sido aprovados por consenso. Não houve necessidade de recuar a Beidaihe para mais discussões. Balões de ensaio ou política oficial? A trama se complica quando se leva em consideração uma série de balões de ensaio que começaram a flutuar, há poucos dias, na selecionada mídia chinesa. Aqui estão alguns dos pontos principais:
Está embutido nessa iniciativa o que foi descrito como “abandonar firmemente todas as ilusões sobre os Estados Unidos e conduzir um esforço de guerra com nosso povo. Devemos promover vigorosamente a guerra para resistir à agressão dos EUA (…) usaremos uma mentalidade de guerra para orientar a economia nacional (…) prepare-se para a interrupção total das relações com os EUA.” Não está claro, da forma como está posto, se estes são apenas balões de ensaio disseminados através da opinião pública chinesa ou decisões tomadas na “invisível” Beidaihe. Portanto, todos os olhos estarão voltados para em que tipo de linguagem essa configuração alarmante será empacotada, quando o Comitê Central apresentar seu planejamento estratégico em outubro. Relevantemente, isso acontecerá apenas algumas semanas antes das eleições nos Estados Unidos. É tudo uma questão de continuidade Todos os itens acima espelham um debate recente, em Amsterdã, sobre o que constitui a “ameaça” chinesa ao Ocidente. Aqui estão os pontos chave:
A China planeja não apenas para anos, mas para décadas. Os planos quinquenais são complementados por planos decenais e, como demonstrou a reunião presidida por Xi, planos para 15 anos. A Belt and Road Initiative (BRI) é, na verdade, um plano de quase 40 anos, projetado em 2013 para ser concluído em 2049. E continuidade é o nome do jogo – quando se pensa que os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, desenvolvidos pela primeira vez em 1949 e depois expandidos por Zhou Enlai na conferência de Bandung, em 1955, estão “gravados em pedra” como as diretrizes da política externa chinesa. O coletivo Qiao, um grupo independente que promove o papel de qiao (“ponte”) pelo estrategicamente importante huaqiao (“chineses ultramarinos”), acerta precisamente quando nota que Pequim nunca proclamou um modelo chinês como solução para os problemas globais. O que eles exaltam são as soluções chinesas para condições chinesas específicas. Um ponto assertivo, também colocado, é que o materialismo histórico é incompatível com a democracia liberal capitalista, forçando a austeridade e mudança de regime nos sistemas nacionais, moldando-os em modelos preconcebidos. Isso sempre volta ao cerne da política externa do PCCh: cada nação deve traçar um curso adequado às suas condições nacionais. E isso revela todos os contornos do que pode ser razoavelmente descrito como uma meritocracia centralizada, com características confucionistas e socialistas: um paradigma de civilização diferente, que a “nação indispensável” ainda se recusa a aceitar, e certamente não vai abolir praticando a guerra híbrida. Pepe Escobar é analista de Geopolítica e colunista do Asia Times.
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