Paúra. Por Luís Costa Pinto |
Dando o que Falar | |||
Seg, 28 de Dezembro de 2020 04:09 | |||
"Em 2021, será fundamental abrir o arsenal de possibilidades de sobrevivência do Estado nacional e lançar mão de todas as armas do jogo duro constitucional contra Jair Bolsonaro", defende o jornalista Luis Costa Pinto, do Jornalistas pela Democracia. Contemplar oceanos de desafios e calcular com frieza qual a melhor forma de fazer a travessia e chegar vivo na margem oposta conservando-se otimista quanto ao sucesso da empreitada, mesmo que as equações do destino fossem de terceiro grau e sempre houvesse um “X” incógnito a tornar pessimistas os cálculos. Foi assim que sempre encarrei a vida, nos planos pessoal ou profissional. Destemor é diferencial competitivo cultivado por mim desde a adolescência. Louco, irresponsável, arrogante, ousado, afoito… foram adjetivos colados à minha personalidade ao longo do tempo. Olho de lado e procurar deixar para trás que os vomita como a pregar rótulos. Ainda em 2018, e durante colóquios profissionais promovidos para plateias de ora de executivos e empresários, ora de políticos com e sem mandato, pintei uma paisagem impressionista pontilhada de pessimismo e cores berrantes para explicar como seria o horizonte do Brasil com Jair Bolsonaro na Presidência. “Mas isso parece um pôr-do-sol, e não um alvorecer”, implicou um executivo de multinacional de bebidas numa dessas palestras. Ele estava otimista – quase exultante. Andava orgulhoso por ter perfilado nas hostes bolsonaristas desde o primeiro turno. “Na verdade, companheiro, o sol já se pôs. Se você ainda enxerga luz no quadro que eu pintei, é a rosa incandescente do cogumelo atômico. Vai dar tudo errado e esse idiota não governa”. O vaticínio, tomado por implicância, quase me custou de imediato o contrato com o cliente. Como as coisas não andaram a contento em 2019, na virada de ano para 2020 a empresa fez um corte de despesas e metade dos consultores externos rodaram. Eu estava entre eles. “Não quero ter razão – quero apenas o reconhecimento de que estava certo quando tudo der errado. Porque dará errado, é só uma questão de tempo”. Encerrava assim a minha análise prospectiva há dois anos. Hoje, ela parece engenharia de obra feita. O já era possível vislumbrar desde antes da posse dessa trágica quadrilha que está no Governo brasileiro:
Conforme queria demonstrar, deu tudo errado. A pandemia decorrente da contaminação dos cinco continentes por Covid-19 apenas catalisou todo o processo de regressão e de deterioração do Brasil e do Estado brasileiro. As boçalidades atrozes e pérfidas de Bolsonaro trataram de expor nosso processo de degradação ao mundo mais rapidamente em meio aos impactos da tragédia do coronavírus. Agora, o futuro imediato não me dá medo: traz-me paúra. Essa palavra que trouxemos do italiano é usada para descrever sensações que suplantam o proverbial e prosaico medo. A paúra é algo mais agudo, mais intenso, mais forte e menos previsível que o medo. A chegada de 2021 não me enche de esperança, nem me provoca medo. Medo é para os fracos. O ano que entra, em que pese termos a vacina no horizonte, tem de provocar paúra nos brasileiros. E a panaceia para a cascata de males que afogam o País começa com o cultivo de um remédio duro: cortar o mal pela raiz e salgar o solo de onde ele surgiu a fim de evitar o florescimento de novas ervas malsãs. Posto que não temos um Congresso integrado por líderes ou composto por uma maioria de capazes, não creio no impeachment. O andar de cima, os privilegiados da sociedade brasileira, não têm grandeza para executar o impedimento de um presidente catastrófico – temem-no, quando deviam odiá-lo; resignam-se às perversidades doentias dele, quando deviam executá-lo pelos acordes constitucionais. Foram bufões corajosos contra uma mulher, Dilma Rousseff, pondo em marcha o golpe do impeachment sem crime de responsabilidade. No momento em que a irresponsabilidade vil toma conta do Palácio do Planalto, amofinam-se. A saída é usar uma ferramenta contrária à Democracia, a favor do jogo democrático. Em 2021, será fundamental abrir o arsenal de possibilidades de sobrevivência do Estado nacional e lançar mão de todas as armas do jogo duro constitucional contra Jair Bolsonaro. Há duas trincheiras abertas em Brasília para isso, e elas devem se tornar em valões de terra fértil em que precisa vicejar a interdição do presidente da República. Uma dessas trincheiras é o inquérito da produção e uso de fake news com o objetivo de assassinar reputações e instaurar o ódio e o divisionismo na sociedade. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes tem em mãos um vasto repertório de crimes comprovados que não só batem na Presidência – mas foram, de fato, executados sob o comando ou com o beneplácito de Bolsonaro para catapultar a popularidade dele e promover o linchamento de adversários. O rol de ataques às instituições republicanas é suficiente para até monitorar o fim melancólico do Governo e decretar a inelegibilidade futura do louco que governa o Brasil. Além desse inquérito das fake news que corre no STF, a chapa Bolsonaro-Mourão de 2018 será julgada em 2021 no Tribunal Superior Eleitoral. É fato comprovado, já, pelos auditores do TSE, que há um sem=número de ilegalidades na prestação de contas do PSL – Partido Social Liberal, o de número 17, pelo qual esse facínora se elegeu. Jamais foi crível aceitar que uma campanha presidencial, num Brasil de 180 milhões de eleitores, custasse R$ 2,8 milhões como ele alegou nos papeis formais apresentados ao TSE. Sobram falsidades naquelas prestações de contas – e a inelegibilidade futura dos integrantes da chapa vitoriosa em 2018 está no radar do Tribunal Superior Eleitoral. Além dela, claro, o esquema revelado por sucessivas reportagens da Folha de S Paulo, a maioria delas de Patrícia Campos Mello, quando veio à tona o uso ilegal de disparos de fake news por robôs (bots) promovidos a partir de “fazendas de likes” e centrais de extermínio de biografias instaladas em países como Eslovênia, Rússia, Israel e Irlanda. Se 2020 sai de cena sem deixar qualquer nostalgia nos brasileiros, pois somos contemporâneos da tempestade perfeita – um palhaço genocida e pérfido instalado na Presidência da República no momento em que tentamos sobreviver a uma pandemia por vírus insidiosa e à desorganização do modelo econômico mundial – a perspectiva de 2021 provoca-me paúra. O novo ano tem de chocar logo na entrada, nos primeiros três meses. No curso deles, quando poderemos vislumbrar o resultado das eleições para as Mesas Diretoras do Congresso, a agenda de julgamento do STF e do TSE e a consolidação dos cenários trágicos da economia, poderemos ter alguma esperança de olhar para o horizonte e vê-lo claro. Ou não. Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/blog/paura
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