Sertão dos Anjos é um recital de “Canção a 2” estruturado por canções compostas em parceria pelo Maestro Ubiratan Marques e Paulo Alcoforado, com intervenções pontuais de textos de tom confessional.

As canções versam sobre temas tão contemporâneos quanto podem ser a solidão, as relações via redes sociais ou o fenômeno da migração. Sendo um projeto brasileiro, não poderia faltar a referência ao caos político que se instalou no país.

Os dois propõem uma experiência intimista suportada pela potência estética e afetiva da canção, que resulta da associação entre letras densas e uma música que transita entre os universos modal e tonal.

O REPERTÓRIO

O samba de partido alto intitulado 'Brasa' aborda o ambiente como "atmosfera de pura crise de representação e desamor pela ideia de país. E não apenas pelo país." 'Sertão dos Anjos', segundo movimento de sinfonia homônima, por sua vez, explora a hipótese de uma nova sensibilidade a partir das relações via redes sociais: "Eu os olhava e via que me olhavam das janelas, mas não conseguia um entreolhar." Já o baião-lírico 'Assombração' apresenta a questão da terra e o fenômeno da migração: "A cerca cerca a minha sombra. São vidas que alguém farpou."

O repertório traz como um achado a parceria entre Johnny Alf (um dos precursores da Bossa Nova) e Paulo Alcoforado, em 'Deslumbre', valsa em que a vida é representada como mulher que é conduzida em dança por um homem experiente: "Decorei seus passos para não mais a perder/Meu piano sabe que eu a vi dançar/Ele tem minhas impressões..."

Especialmente para a FLIPELÔ 2019, dedicada ao Poeta Castro Alves, Sertão dos Anjos traz ‘Corpo Negro’, primeira canção da Sinfonia das Sombras, que aborda o racismo, e está sendo composta para o terceiro álbum da Orquestra Afrosinfônica: “O meu corpo negro ingressa em ambiente furta-cor/Meus marrons, meus roxos, meus vermelhos vão perdendo a cor/Venho em ondas multicoloridas pra ser quem eu sou”.

OS AUTORES

Ubiratan Marques é pianista, compositor, arranjador e maestro de música sinfônica. Criador e regente da Orquestra Afrosinfônica, dirige o Núcleo Moderno de Música em Salvador, Bahia. O maestro fala sobre seu parceiro, Paulo Alcoforado: "Eu escrevia algumas peças que eu ouvia como canção, mas as guardava, pois sempre tive muita dificuldade de encontrar parceiros que entendessem minhas melodias, e também não fazia sentido colocar na forma instrumental. Paulo foi a pessoa que despertou em mim a vontade de desenvolver um trabalho a partir da canção e, nesse território, me fez encontrar personalidade artística."

FUTURO DO PRETÉRITO

No campo estético, Sertão dos Anjos dialoga com o debate sobre a "morte da canção", entendido como hipótese de essa tradição brasileira que remonta a Heitor Villa-Lobos, e foi pavimentada por Antônio Carlos Jobim e Edu Lobo, entre tantos, já ter atingido sua forma máxima de apuro e qualidade para a síntese de uma canção perfeita.

O álbum Sertão dos Anjos, primeiro da parceria, é assim apresentado:

"Há um quarto de século dois homens lançaram ao mar uma garrafa pra ver se em um futuro longínquo algum desavisado apreciaria a sua cachaça. No ano da graça de 2017, o projétil foi encontrado na orla da Cidade da Baía de Todos os Santos por uma criança que pegava um jacaré. Inadvertidamente, ela sacou a rolha e consumiu seu conteúdo por inteiro. Até o presente momento ela encontra-se isolada e em observação enquanto é realizada perícia do que se imagina tratar-se de uma "canção", fenômeno sonoro do século XX provavelmente com prazo de validade expirado. Mais não se pode informar sobre o conteúdo da garrafa e do estado da criança."

SERVIÇO

Trabalho: Recital Sertão dos Anjos
Artistas: Maestro Ubiratan Marques e Paulo Alcoforado
Realização: Casa da Ponte Maestro Ubiratan Marques

Dia: 08/08/2019 (quinta-feira)
Horário: 18h30
Local: Igreja do Santíssimo Sacramento do Passo (Igreja do Passo), Pelourinho, Centro Histórico de Salvador

Duração: 50 minutos
Acesso: gratuito