O garoto e a baleia. Por Zuggi Almeida |
Sex, 26 de Junho de 2020 05:28 |
A novidade estava alí estendida na areia da praia - o corpo inerte da baleia.
A normalidade estava estendida alí no barro do campinho - o corpo esquálido do menino. O corpanzil da baleia foi removido mais rápido que o frágil corpo do garoto assassinado num campinho do bairro de São Marcos, em Salvador. O corpo do jovem foi regado por dez horas sob a chuva e as lágrimas da mãe com o coração estraçalhado de dor A baleia foi estraçalhada e levada para um depósito de lixo. Já a morte do menino será depositada nas latas do esquecimento do poder público. Assim é tratado o assunto quando se refere a preto, pobre da periferia. Por que homens conseguem amar baleias e matar meninos ? Mimar pets e matar gente de fome ? São paradoxos compartilhados pelo egoísmo. No dia que a baleia agonizava nas águas da praia de Coutos, a mata ardia na Amazônia por conta de incêndios criminosos.A imprensa que transformou a tentativa de salvamento do cetáceo num espetáculo dantesco foi a mesma que tentou abafar a tragédia que destruía a floresta. Não houve como esconder a fumaça originada dos protestos das lideranças ambientais e da mídia internacional. A solidariedade avocada para salvar golfinhos, tartarugas ou baleias não é mesma quando o assunto é gente preta. O genocídio da juventude,o desamparo social, o alcoolismo,as drogas e doenças mentais caem no campo da banalidade. O extermínio de jovens negros por forças de seguranças do Estado atingem níveis catastróficos.Os absurdos cometidos pela justiça tem mandado para prisões pessoas idôneas. O fato de ser negro transforma um cidadão como principal suspeito num ambiente onde ocorra um delito. Quando o Estado por acaso reconhece o erro jurídico, o estrago causado é irreparável. O jovem Denilson Santana de Jesus, 15 anos, assassinado com nove tiros quando jogava futebol obedeceu a mãe que dizia : - Denilson, meu filho quando os policiais chegarem atirando você não corre. Você não deve nada a ninguém! Denilson foi um filho obediente. Ó mundo tão desigual. Tão desigual ! * Zuggi Almeida é cronista e escritor. Edit.: Crônica postada em setembro de 2019 e reeditada em junho de 2020. |
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |