Tonho da Ilha. Por Zuggi Almeida |
Sex, 15 de Janeiro de 2021 04:58 |
Tonho saiu da barriga de Maria metendo os pés pelas estradas do mundo. Criado na localidade de Baiacú, em Itaparica, Tonho de Maria era um ilhéu franzino e ainda menino era um exímio especialista em tocas de caranguejos. Zeca de Maria, seu pai, , insistia em preparar o filho na arte de trabalhar o couro, colocar a sola, o salto ou mesmo reparar calçados que já requeriam a aposentadoria. Tonho trouxe apenas uma característica paterna, o direito de imaginar viagens a paraísos longíquos. O sapateiro no final de tarde reunia a meninanda do Baiacu e sentado na porta da tenda contava as façanhas que realizou abatendo alemães em terras italianas, na Segunda Guerra Mundial. Contava as aventuras pelos países mais exóticos do mapa terrestre, os costumes diferentes de cada povo, as mulheres magníficas e o domínio que adquiriu sobre os mais diversos idiomas, dentre esses destacam-se o inglês, o espanhol, o francês, o alemão e até uns pitacos em russo. Num domingo cedo, Tonho de Maria ainda dormindo da farra da noite anterior foi acordado pela mãe que avisou: - Tonho , o motorista do prefeito está aí na porta procurando por você ! O rapaz levantou, lavou o rosto e foi saber do motivo da procura. - Tonho, o prefeito precisa muito de você - disse o motorista, - e completou - você sabe falar russo?- de pronto o filho de Maria respondeu -, depende ! Na dúvida, Tonho de Maria vestiu um dos paletós que trouxe da viagem embarcando no carro oficial, enquanto no caminho o motorista explicava qual era a missão diplomática. - Tonho, chegou aqui na ilha um pessoal da embaixada da Rússia que veio assinar um convênio com a prefeitura para construção de uma escola de música. A mulher do prefeito contratou uma gringa para traduzir a conversa, mas, ela comeu uma muqueca apimentada e passou mal. O carro parou em frente ao prédio onde todo o recepetivo aguardava a chegada de Tonho. O prefeito apressou-se para receber o filho nobre de Maria e Zeca dando-lhe um forte abraço. Tonho pegou o microfone, pigarreou e disparou: - Dobrowski polanski vera cruz island orloff ! A delegação russa sorriu, afável. O prefeito pediu que Tonho agradecesse ao apoio do povo russo à educação na ilha de Itaparica. Tchaikovski azenka gorbachev itaparica island perestroika. Mais uma vez, os russos continuaram sorrindom Então, o prefeito pediu que Tonho convidasse os russos para o lançamento da pedra fundamental da escola. Tonho arrematou: - Venka! - e apontou a direção da pedra, - e todos seguiram para o local. Após a inauguração onde foi assinado o protocolo de intenções, os russos retornaram para Salvador e Tonho seguiu com o prefeito e seus assessores para pensão de Neidinha. A farra de moquecas regadas à cervejas e fartas doses de Correinha foi até o começo da noite. - Tonho você veio pra ficar de vez ? Que tal você assumir a nossa secretaria do turismo ? perguntou. Tonho pigarreou e respondeu: - Seu prefeito, estou aqui apenas passando uma temporada enquanto aguardo um convite da ONU para assumir um cargo numa embaixada no exterior -, respondeu. Enquanto o convite imaginário do órgão internacional não chegava, Tonho aproveitou o tempo, mandou fazer uma canoa nova, comprou uma tarrafa maior e todos os dias apoitava no canal, bem em cima do pesqueiro secreto. A maré é de lua cheia e a manta das curimãs andavam preocupadas com a estréia da tarrafa nova de Tonho. - Zuggi Almeida, baiano, escritor e roteirista. |
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