Angelique por Zuggi Almeida |
Seg, 15 de Fevereiro de 2021 07:31 |
Valdemar estava ansioso diante o espelho mesmo sendo a décima vez que desfilava no Filhos de Gandhi. Cada ano marcando grandes momentos e muitas felicidades. - Valquíria! Cadê você ? Menina lerda da zorra ! A irmã responde: O cabeleireiro em frente ao espelho, gira sobre si, observa a fantasia no momento que Valquíria entra no quarto trazendo um vistoso turbante branco e coloca sobre a cabeça do irmão, faz os ajustes com cuidado e comenta: - Puxa como meu irmão está bonito ! Está parecendo um rei. Igual aqueles lá da África. Agora na moral, vê se esse ano tem cuidado e não volta com a fantasia toda suja. Você sabe que sou eu que lavo e só tem uma fantasia pra sair todos os dias. Lá fora alguém chama por Valdemar que apressa-se em sair da casa, ainda ajeitando os colares no pescoço. O grupo de garbosos componentes do afoxé Filhos de Ghandy desce a ladeira do Alto da Terezinha em direção ao ponto de ônibus. São dez e quarenta e cinco da manhã de um domingo de carnaval. Às 10h 45m do mesmo dia, uma aeronave aterrisa no aeroporto de Salvador. A bordo está Angelique Vidal em sua primeira visita ao Brasil. Angelique pertencia ao grupo das top models internacionais que abrilhantam as passarelas. Vidal tinha um portfólio que exibia editoriais de moda feitos para Versace, Gucci,Dolce & Gabana e outras grifes famosas. Recentemente tinha assinado um contrato de exclusividade com a Victoria´s Secrets. Valdemar e os amigos desembarcam na estação Aquidabã e segue em direção a sede do afoxé, no Pelourinho. No caminho a parada num isopor e compra algumas latinhas de cervejas e prossegue até o Ghandi. Eles precisavam chegar antes do início da cerimônia do padé. Após as obrigações com o dono das estradas , uma pomba branca é solta e faz um vôo sobre as cabeças dos presentes no largo e desaparece por trás dos telhados do casario colonial. O aroma da alfazema que pairam no ar adentra pelos poros, becos e ladeiras do Largo do Pelourinho e o Afoxé Filhos de Gandhy parte para mais uma jornada no Carnaval de Salvador. Justo na curva da entrada da passarela dos camarotes, o cabeleireiro Valdemar tem a visão mais bela de todos os carnavais da sua vida. Ela estava lá, imponente como uma esfinge negra exibindo o belo sorriso de marfim. A leve blusa de cetim branco que usava era ornada por um colar de madeira que combinava com os destacados brincos do mesmo material. Valdemar cutucou o amigo do lado, cochichou alguma coisa e partiu em direção ao alvo. Encostado às cordas do afoxé, retirou um dos colares e ofereceu a moça. Ela apenas sorriu. Ele insistiu e ela apenas sorria. Não exitou e mergulhou sobre as cordas para aproximar-se e elogiar: - Você é a coisa mais linda que já vi em toda minha vida. Você mora onde? Ela perguntou querendo entender: Comment ?, - deixando ele confuso. Valdemar insistiu: - Você é brasileira ? Carioca, paulista, mineira...Brasil ? Ela tentou explicar: - Brésil ? Non. Je suis martinien – nesse momento ele pigarreou, mas, continuou oferecendo um colar até que foi aceito. O afoxé passa lento e sincopado diante dos olhos de Valdemar, os atabaques rufam triunfantes, os clarins ecoam pelo ar, um foguetório explode nos céus do Campo Grande e Valdemar se chorando alí no meio da multidão.Ao seu lado, Angelique tem exibe na face um misto de surpresa e felicidade quase infantil. Valdemar havia encontrado um outro amor na sua vida, além do Ghandi. Algum tempo depois ele pergunta: Ela responde: As constantes viagens internacionais realizadas pela top model facilitou um certo domínio do espanhol. Isso facilitou a Valdemar continuar o diálogo e fazer o convite Eles saem em busca de um local e sentam na mesa da primeira barraca que encontram. Valdemar pede uma cerveja para ele e água mineral para Angelique e entre risos e frases desencontradas eles trocam o primeiro beijo. A noite encontra os dois maravilhados pela alegria do carnaval no Centro Histórico. Angelique ver passar pela sua frente um filme vivo repleto de pierrots, palhaços, travestidos, velhos e crianças todos embalados no ritmo da festa. Ela sentiu-se em casa, pois Port de France realiza o maior evento da folia da Martinica parecido com Salvador. A comunicação entre os dois já fluía com mais facilidade quando ela acusou cansaço por um dia repleto de emoções. Então, Valdemar levou a namorada até a recepção do hotel onde ela se hospedara, no Campo Grande. Se despediram após um longo beijo, não sem antes combinar um novo encontro na portaria às onze horas da manhã da segunda-feira. Antes, Valdemar foi até a portaria e escreveu num papel o número do seu telefone entregandoa Angelique. Na segunda- feira, às nove da manhã, Valdemar já estava fantasiado e tomava o café quando a irmã saiu do quarto e assustou-se – o que foi houve ? Deu formiga na cama? Porque não pediu pra lavar a fantasia quando chegou? Valdemar sorrindo respondeu: - Eu não lhe conto. Eu conheci a minha deusa do ébano! - Quem é essa criatura, menino ? - ela curiosa. Rapaz, uma negra que é a coisa mais meiga que existe na terra. Ela não é brasileira, não. Ela é da Martinica, mas mora em Paris. Imagine você, ela é modelo internacional - Agora você aprendeu a falar embolado, é? - Valquíria duvidando. As nove e meia da manhã, Valdemar já está num ônibus que o levaria até o Vale do Canela. Quando o grupo de amigos chega na porta da casa dele, Valquíria informa: Um dos amigos comenta: Angelique aguardava o rapaz na portaria do hotel vestindo uma linda túnica africana, exibindo brincos tão especiais quanto os do dia anterior. O batom de um vermelho estravagante moldurava o sorriso que conquistou Valdemar. Cumprimentaram-se e ele levou a moça em direção ao bairro do Garcia. Os dois exibiam o porte de uma casal real africano e a beleza especial de Angelique chamava a atenção principalmente das mulheres. Chegaram ao largo do Garcia no momento da saída do cortejo. Angelique percebeu uma certa diferença em relação a festa do Pelourinho. Mas, não adianta explicar a bagunça organizada da Mudança do Garcia para uma estrangeira. Alí, sorriram bastante, beijaram-se e dessa vez ela experimentou beber cerveja. No meio da tarde foram a um restaurante e Angelique experimentou a muqueca. Os Filhos de Gandhy iriam desfilar no circúito da Barra, naquela tarde, mas Valdemar preferiu retornar ao Pelourinho onde Angelique demonstrou estar mais à vontade no lugar. A música contagiante da festa incentivou a martinicana pegar seu amado pelo braço e seguir atrás de um bloco de arlequins e colombinas.Subiram e desceram ladeiras embriagados pela folia com amor.. No final da tarde sentaram na escadaria de uma das igrejas do local e ficaram a ver o carnaval passar. Depois assistiram um dos show do samba de roda de Cachoeira. A elegância dos trajes e a graça na forma de dançar das senhoras incentivou Angelique Vidal a fotografar e filmar o espetáculo. Próximo à meia noite, a moça pediu a Valdemar que a conduzisse até o hotel. Mais uma vez, Valdemar levou Angelique até a recepção e ficou marcado o encontro às 9 horas da manhã da terça-feira, pois pretendiam aproveitar todo o dia. O cabeleireiro voltou para casa irradiando felicidades e nem percebeu quando o táxi parou em frente à sua residência. O alarme do celular despertou Valdemar às sete horas da manhã, ele correu para o banheiro onde a pressa em fazer a barba provocou um leve corte no queixo. Mais uma vez vestiu a fantasia que ainda estava úmida – Valquíria estava acordada quando ele chegou e resolveu lavar a peça – tomou um gole de café e saiu em busca de um táxi na Avenida Suburbana. Valdemar ! Ô Valdemar – gritou um amigo na porta. Valquíria apareceu sorrindo e disse – Não já sabe rapaz ? O amigo respondeu: O táxi deixou Valdemar no Vale do Canela às 8h45m. O folião subiu a ladeira em direção ao hotel chegando cinco minutos antes da hora marcada com Angelique. Aguardou por um tempo, mas a moça não apareceu na porta. Resolveu dirigir-se a recepção onde procurou pela hóspede Sra. Angelique Vidal. O recepcionista pediu para ele aguardar e foi até a caixa de correspondências pegou um bilhete e entregou para o cabeleireiro. Valdemar abriu e lá estava escrito: - Desculpe, mon amour. Returnei urgent Paris. Volto. O chão do salão desapareceu sobre os pés de Valdemar. Ele saiu dali quase sem perceber onde estava a portaria. Na Avenida Sete, o sol inclemente do carnaval contribuiu para aumentar a confusão na cabeça do rapaz. Meio atordoado foi lentamente até o largo do Pelourinho encontrar com os amigos. O ocorrido foi que a top model recebeu um chamado do seu representante em Paris. Angelique Vidal tinha sido contratada para fazer um edital de moda no Senegal, na quinta-feira após o Carnaval. A modelo deixou o hotel às seis e quinze da manhã daquela terça-feira. Valdemar encontrou um Pelourinho ainda acordando para o último dia do carnaval. Estava tonto e procurando entender o porque de tanta decepção. Lembrou de Valquíria e das piriguetes que ela imaginava que ele procurava no carnaval. Será que ela tinha razão ? Então bebeu a primeira cerveja com gosto de tristeza, a segunda e a terceira quando resolveu parar. O carnaval aínda não tinha acabado e quem sabe num golpe de sorte a vida lhe daria um troco na forma de alguém mais especial que Angelique ? O agogô deu o toque, os atabaques rufaram e Valdemar voltou a realidade para descer a rua Chile, atravessar a praça Castro Alves, subir a rua Carlos Gomes até chegar na curva do Campo Grande e perceber um nó na garganta. Ele tinha ainda a esperança de encontrar alí parada com uma leve blusa branca, usando enormes brincos e exibindo um batom vermelho nos lábios, sorrindo pra ele sua deusa do ébano. Angelique não estava lá. Os amigos perceberam que Valdemar não estava muito à vontade, mas, eles estavam mais preocupados em entregar colares e receber beijos como bônus. Valdemar aos poucos foi recuperando o ânimo, um pouco por lutar contra as ordens do coração e mais pelo efeito causado pelas diversas latinhas de cervejas engolidas durante o caminho. Angelique encontrara o número do celular de Valdemar “ Mon amour, je suis arrivé à Paris à present. Después del trabajo regresso al Brazil em descanso de un mês com você. Te quiero. Angelique “. O cabeleireiro tinha um coração com muito pouco espaço para ser ocupado por dois grandes amores. O Filhos de Gandhy era o maior de todos Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista. |
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