O branco predomina na cidade de Salvador. Sim, o branco do figurino em boa parte da população baiana de maioria negra, nos dias de sextas-feiras. Esse branco das roupas supera as estatísticas raciais e sendo quase unanimidade mantém a tradição de origem muçulmana, segundo alguns historiadores.
Sexta–feira é dia de usar branco, a cor preferida por Oxalá, o filho de Olorum ; e considerado pai dos homens. Oxalá assume duas formas: Oxaguiã, que é o jovem guerreiro e Oxalufã, um velho apoiado num bastão de prata ( Opaxorô).Pai dos homens, criador da humanidade, Oxalá no candomblé é pai de todos os Orixás. Todas as histórias que relatam a criação do mundo passam necessariamente por Oxalá. Ele foi o primeiro Orixá concebido por Olorum e encarregado de criar todas as coisas do universo,
Existe uma associação histórica entre o candomblé e o islamismo que derivam na tradição de usar roupa branca no dia de sexta-feira na Bahia. Historiadores apontam a hipótese para origem etimológica do nome Oxalá: a expressão árabe Insha`Allah, que significa “se Deus quiser”. O branco era a cor dos trajes dos insurgentes da Revolta dos Malês. No dia do levante , em 25 de janeiro de 1835, os malês saíram às ruas vestidos de abadá, um camisolão folgado na cor branca. As autoridades policiais que reprimiram o levante se referiam à bata islâmica como “vestimenta de guerra”. Mas, a indumentária malê não estaria completa sem o filá, espécie de gorro de uso no candomblé. Outro adereço do candomblé é o turbante da indumentária dos tuaregues. Isso explica a origem dos escravizados mais islamizados originários de grupos étnicos da África Ocidental e no Brasil passaram a conviver com os grupos iorubás.
O Levante dos Malês ocorreu na data que os católicos dedicam a Nossa Senhora da Guia e faz parte das comemorações da festa do Nosso Senhor do Bonfim, uma das mais tradicionais da Bahia. Mas, para os muçulmanos naquele ano, era o dia de comemorar o Laylat al- Qadr, uma das festas islâmicas que precedem o fim do Ramadã , o mês sagrado para os muçulmanos. No sincretismo religioso o Senhor do Bonfim é associado ao orixá Oxalá.
O movimento dos malês foi duramente reprimido pelas forças opressoras portuguesas e a batalha final deu-se quando os rebeldes foram encurralados no Quartel da Cavalaria, na Água de Meninos e antes do nascer do sol, 73 insurgentes já tinham tombado, mais de 500 presos e outros fugiram para os engenhos do Recôncavo.Os líderes da revolta: o escravo Ahuna, , Pacífico Licutan, Sule ou Nocobé, Dassalu ou Damalu, Aprígio, Pai Inácio e Gustard e o liberto Manuel Calafate foram condenados à morte.
O hábito de usar a cor branca na Bahia é a reafirmação das raízes afros: a importância do candomblé na ressignificação do espaço social legitimando dessa forma, a tradição e a cultura do povo oriúndo de África.Usar branco na sexta-feira é identidade, pertencimento e um apelo à paz.A paz tão necessária em nossas comunidades, hoje, violentadas pelas forças oficiais, perdas na pandemia, desemprego, fome e abandono social.
Oxalá, possa em breve vestir um traje branco alinhado pra ir numa grande festa de santo ou numa boa roda de samba.
Com toda a fé nos Orixás.Epá Babá !
Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista. |