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A cidade e seu duplo por Douglas de Almeida
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Ter, 26 de Agosto de 2014 01:31

Douglas_de_AlmeidaQuem pensa que em Salvador, a eterna “Cidade da Baía”, só proliferam os estribrilhos da axé music, e o rebolado do arrocha… está ciclicamente enganado!

Aqui também é a terra do rock’n’roll, do reggae roots, da dança contemporânea, do balé clássico e de escritores refinados a exemplo do recém falecido João Ubaldo… e de filosofia! Sim, é isto mesmo: filosofia! E não estou a lembrar dos sermões do  padre Antonio Vieira no século XVII, do filme “A idade da terra” do castroalvino Glauber Rocha, nem de algumas canções do maluco beleza Raul Seixas, estes, frutos do ambiente cultural gerado pela criação da Universidade Federal da Bahia, com suas faculdades de dança, teatro e música, lá pelos anos 1950! Sim, iremos falar do “amor à sabedoria” que viceja na Bahia, que como bem sabe Caetano Veloso, para filosofar, necessariamente, não precisa falar alemão!

E para falar de filosofia na Bahia, remeto-me ao livro “A cidade e seu duplo”, recentemente lançado pela Editora da Universidade do Estado da Bahia – EDUNEB, e escrito pela dupla Washington Drummond e Alan Sampaio, o primeiro, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia e o segundo, professor de Filosofia no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia. Mas para além de títulos acadêmicos, Washington, é músico recluso, que nos anos 1980 tocava seu baixo no grupo lítero-musical Kami Quase, e Alan, artista plástico bissexto, que assina a capa do livro citado.

O livro “A cidade e seu duplo”, é composto por oito artigos que lançam um olhar enviesado e bricolado sobre as metrópoles urbanas e em especial, à cidade do Salvador, que segundo o filósofo francês Michel Maffesoli, é um dos grandes ícones da pós-modernidade. Alicerçado em autores como Friedrich Nietzsche, Walter Benjamin e Michel Foucault, e embalados pela crueldade do rimbaudeano Antonin Artaud –que escreveu o livro “O teatro e seu duplo” -, Alan e Washington tecem uma crítica às imagens das imagens do urbano contemporâneo, e já nos alertam na apresentação para “a distância entre o que se diz da imagem e o uso efetivo desta, e mais ainda, seu impacto sobre a compreensão do mundo e sobre hábitos.

Os artigos mesmo que trabalhando diversas e distintas situações, debruça-se sobre um tema caro à filosofia: a representação.  Entre eles, Pierre Verger, do heroísmo ao espetáculo, que faz uma leitura de dois momentos distintos de recepção à obra fotográfica do etnólogo francês, que “com Caribé, Dorival Caymmi e Jorge Amado, vinha redescobrindo a cidade cultural e geograficamente, referenciada nos descendentes africanos, na sua religiosidade, na maneira como reinventaram a vida cotidiana”. A primeira, nos anos 1940/1950, quando foi recebida com desprezo pela sociedade baiana, pois naquele momento em que a religião e a cultura de matriz africana eram discriminadas, colocar os negros como protagonistas, era no mínimo uma provocação. Já em um segundo momento, nos anos 1970/1980, quando descartada a centralização da economia soteropolitana na industrialização, foi estabelecida uma política de turismo centrada na valorização da arte e da cultura afrobrasileiras, estas fotos tornaram-se emblemáticas e valorizadas pelo Estado, pelos estudos acadêmicos e pela mídia.

Já em A cidade e seu duplo, que empresta seu título ao livro, Washington e Alan elaboram uma dupla crítica, ou melhor, uma leitura… de dois meios de comunicação – um jornalístico e outro ficcional. Uma rede de televisão para ilustrar uma reportagem acerca das milícias em bairros populares do Rio de Janeiro, utiliza-se das imagens de um filme que aborda a mesma temática. Mesmo não nominado, fica subentendido que o filme seja Tropa de Elite, que numa estética realista, mostrou a realidade da corrupção policial e parlamentar, e se tornou sensação, levando milhares de pessoas ao cinema e outro tanto às cópias oferecidas pelos camelôs de todo o Brasil. O artigo mostra a farsa (falácia da comunicação) do noticíario da televisão que utiliza a farsa da obra de arte (“o poeta é um fingidor”), para realizar uma outra farsa (engodo da delação). É o simulacro da dupla representação (aqui no seu sentido mais pífio)… o jornalismo que para mostrar a realidade, se utiliza das imagens da ficção e a pretensa ficção que copia jornalisticamente a imagem da realidade. Como dizem os autores: a confusão entre estética e política é nefasta para ambas.

Alan e Wasington cumpriram um papel importante de deslocamento, pois realizaram um trabalho de vanguarda fora do eixo Rio-São Paulo, dando uma dignidade à esta Salvador que tem entre seus artistas pensadores, o artista plástico Sante Scaldeferri e o antropólogo Ordep Serra.

Este livro não pode ficar restrito ao mundo universitário nem aos amigos da dupla, ele urge estar nas bibliotecas públicas e escolas do ensino médio para atingir – e provocar – um público mais amplo e mostrar que nesta terra do teatro besteirol também há lugar para filosofia, e que para vencer a robotização fomentada pela globalização, só o fomento à diversidade cultural, já preconizada pelo pré-socrático Heráclito que na cidade de Éfeso, esbravejou: a mais perfeita harmonia é semelhante a um monte de bosta feita ao acaso!

Douglas de Almeida, poeta, arte-educador e diretor da Biblioteca Prometeu Itinerante

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