“O Amor e a Alegria”: disco de Vovô Saramanda será lançado em 29 de setembro |
Qua, 20 de Setembro de 2023 00:19 |
A produção é do premiado cantor, compositor, guitarrista e produtor Rommel, maranhense também morador do Canadá. Na lista de músicos, estão André Galamba (baixo), Dark Brandão (pandeiro), Jean-Pierre Zanella (sax alto), Roberto Chinês (cavaquinho e bandolim) e Thomas Morelli (trombone). A bateria se divide entre Aquiles Melo e Carlos Henrique Feitosa. Violões passeiam pelas mãos de João Bouhid, Julião Rabello e Mano Lopes, além de ainda nas participações especiais do mestre Roberto Mendes e de seu filho, João Mendes, na primeira faixa, “A Piaba Correu”, que já chega com videoclipe no dia do lançamento do álbum. “Quis colocar o samba no centro, agregando elementos do jazz e do funk ao seu cerne, para explorar os subgêneros do samba como diálogo em vez de usar o samba como ‘tempero’ para outros tipos de música mais populares. Quero projetar uma forma contemporânea interagindo com o samba tradicional. Acho que o samba tem sido usado mais para adicionar sabor ao que já existe, em vez de estar no centro de algo que pode ser. Aqui, coloco em primeiro plano o ‘pode ser’ com vontade”, resume Vovô, que, além de cantar, toca no álbum uma variedade de instrumentos de percussão, sua base musical: agogô, pandeiro, cuíca, caxixi, surdo, tamborim, atabaque e outros mais. O disco também é repleto de vocais, coisa típica do samba. São 10 backing vocals atuando nas canções. Duas delas, as cantoras Andiara de Souza e Mônica Freire, são ainda convidadas para duetos com Vovô. “O projeto vem sendo marinado desde 2011, quando Vovô comemorou 50 anos de iniciação no tambor e no candomblé”, explica Rommel. “Para a ocasião, montamos um show que celebrava a data, mas também o samba, até como uma forma de Vovô homenagear sua mãe. Vovô é um embaixador do samba no Canadá”, completa o produtor. Neto de ialorixá e filho da cantora Claudete Macedo, Vovô Saramanda cresceu em meio à musicalidade do candomblé. “No ventre de minha mãe, eu já escutava os tambores”, conta ele. Ainda criança, convivia com artistas em festas em sua casa, como os baianos Riachão e Batatinha. No terreiro da avó, o menino teve contato pela primeira vez com os tambores. Aos sete anos, já era ogan e tocava atabaques nos rituais. Em seu currículo, tocou com Zezé Motta, no Cirque du Soleil e com o então jovem talento Carlinhos Brown – estiveram juntos na Banda Buscapé, que marcou época na cena instrumental baiana. Em 1983, integrou o time que foi para Roma para o festival “Bahia de Todos os Sambas”. E que time: Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar, Moraes Moreira, Batatinha, Naná Vasconcelos, entre outros. Já no Canadá, acompanhou diversos artistas e participou de vários projetos que buscam promover a música brasileira e se tornou uma referência. “O Amor e a Alegria” é acompanhado de um documentário de mesmo nome, com roteiro e direção de Clayton Nogueira. Trechos de uma completa entrevista em que Vovô Saramanda descreve suas experiências, com detalhes de uma memória impressionante e aparição de nomes fundamentais das culturas baiana e brasileira, são mesclados com cenas de estúdio, com parceiros da gravação do disco. “Ouvir samba e candomblé é uma coisa, vê-los é outra. Espero inspirar pessoas ao verem e ouvirem um cidadão idoso se expressar dessa maneira. Samba é não cansado e velho; o samba é cheio de vida”, justifica Vovô. O filme é dividido em três episódios – dois deles já disponíveis no YouTube www.youtube.com/@vovosaramanda1004 dando possibilidade de as pessoas conhecerem mais desta rica história de vida e da trajetória artística que culmina neste trabalho. O jornalista e crítico musical Leonardo Lichote descreve: “Mais do que um disco de samba, ‘O Amor e a Alegria’ pode ser entendido como um disco sobre samba. Afinal, em muitos momentos seus versos cantam como o gênero é capaz de incorporar forças, anseios e vocações do Brasil e de seu povo. Fala de samba falando do Brasil e vice-versa. Mas a definição pode ser ainda mais refinada: ‘O Amor e a Alegria” é um disco sobre sambas, no plural. Da gafieira ao samba-enredo, do samba rural ao sotaque malandro sincopado de Geraldo Pereira, o álbum passeia por diversas linhagens do gênero, sempre com autoridade e leveza, sem demarcar fronteiras rígidas”. FAIXA A FAIXA PELO JORNALISTA LEONARDO LICHOTE – O trajeto de “Amor e a Alegria”, como o do samba, começa na Bahia. O buliçoso “A Piaba Correu”, que abre o disco, evoca em sua forma o samba do Recôncavo, “mãe” do samba urbano formatado no Rio de Janeiro no início do século XX. Além disso, se filia à extensa linhagem de sambas que tratam da comida como manifestação cultural e social, linhagem que inclui “Feijoada completa”, de Chico Buarque, e “O Quitandeiro”, de Monarco e Paulo da Portela. Sobre o violão do mestre Roberto Mendes (e de seu filho João Mendes) e a marcação de palmas, Vovô canta uma receita da moqueca de arraia, já que a piaba destacada no título aparece como ausência ("A piaba correu/ Mas a arraia ficou”). No ritmo e nas frases de metais que pontuam a faixa, quase se sente o sabor detalhado nos versos: “O coentro dá o gosto/ O limão, o azedinho/ A cebola, o ardor/ E o tomate dá a cor”. Os arranjos do disco partiram dos violões de Roberto Mendes (“A Piaba Correu”), João Bouhid (“Coisa Nossa” e “Despedida”) e Mano Lopes (as outras sete faixas). Os metais, porém, são fundamentais na sonoridade. Trombone e sax alto dão o molho ao longo de todo o álbum, ora com tempero jazzístico, ora gafieirístico, ora com acento caribenho, ora com um pouco de tudo. Introduzido pelos metais, “O Amor e a Alegria”, faixa-título, vem em seguida, levando o disco para os salões, sem tirar o pé do interior do Brasil. Aqui, o samba se afirma como a força sobrenatural que quem samba sabe que é real. Ele tem o poder de parar a chuva e de instaurar o amor e a alegria, “tirando a tristeza do lugar”. E, como em “A Piaba Correu”, também descreve uma receita, mas desta vez do próprio samba: “Devagar, devagar/ De passinho em passinho/ Na levada do cavaco/ E o surdo na marcação/ O pandeiro chacoalha/ E a cuíca na ação/ E o tamborim sincopado/ Vem pedindo este refrão”. A malandragem faz morada em “Brasil Verdadeiro”, descrevendo com irreverência esse personagem, “moleque faceiro”, “que ganha pouco e apesar do sufoco ainda consegue sorrir e cantar”. E que, sobre o bandolim que costura a canção, afirma orgulhoso que “a cor está no meu pandeiro”. Esse mesmo povo é protagonista de “Coisa Nossa”, agora visto pela ótica da violência cotidiana da qual ele é vítima, e que se traduz sempre no samba: “O silêncio do tamborim/ A cuíca reclama por quê?”. Mesmo nesta canção, porém, o disco mantém seu espírito solar – expresso musicalmente e poeticamente da primeira à última faixa. Afinal, o samba, diz o verso, é o “grito de liberdade” em meio ao sofrimento. A luminosidade também se afirma mesmo no anúncio de fim de que trata “Despedida”, gravada em dueto de Vovô com a cantora Mônica Freire. “É o samba, é só o samba/ A cura de todo mal, de toda dor”, diz a letra. A dor da despedida se mostra mais cortante no solo dolente do sax de Jean-Pierre Zanella, puro jazz. “Força do Universo” é um exemplar bem acabado da filosofia do samba, ou seja, da maneira única, simples e funda, como o gênero olha para a vida – há antecedentes ilustres na seara, como o baiano Batatinha e o carioca Candeia. Aqui, Vovô canta que “A vida é uma escola/ Que não tem férias, meu senhor”. O artista mostra ainda seu domínio da linguagem percussiva do samba, explorando as diversas variações do gênero ao longo de todo o disco em timbres mil, como atabaque, cuíca, agogô, caxixi e pandeiro. A metalinguagem que aparece em diferentes momentos do disco se mostra novamente em “Grande Poesia”. “Bateu uma saudade de você/ Que até pode virar música”, canta Vovô, referindo-se à própria canção, uma declaração de amor em forma de oração. Com jeito de samba-enredo e introdução de metais à la New Orleans, “Nasce o Divino” pode também ser lido como oração, ao apontar para a conexão do gênero com a transcendência, com Deus: “Da flor da pele nasce o divino”. A pureza segue sendo o tema, por outra ótica, em “Ser Criança”, cantada em português e em francês num dueto de Vovô com a cantora Andiara de Souza. Definida por Vovô como samba de batuque, variante do gênero encontrada no sertão baiano, “Vou Descrever” encerra o disco com uma metáfora que amarra com precisão “O Amor e a Alegria”. Nela, o artista explica em poesia como enxerga e vive o samba: no corpo. “O ritmo é a batida do coração/ A melodia é o sangue que corre na veia/ Que emite oxigênio para harmonia/ Que é o cérebro em questão”. Sob a pele e além dela, Vovô Saramanda é ele mesmo, enfim, um samba. Acompanhe em: www.instagram.com/vovo_saramanda |
Última atualização em Qui, 21 de Setembro de 2023 07:29 |
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