Desde pequeno, isto parecia ser um drama. Esconde daqui, esconde de lá, cabelo grande etc etc, e uma vaga possibilidade de, quando crescesse, fazer uma cirurgia de correção.
Até o dia em que falei pra minha mãe que não queria esconder mais nada. Não sentia vergonha daquilo, portanto que devesse ser o que era pra ser, algo a me ensinar alguma coisa.

Ao longo da minha vida profissional tive que fazer algumas audiometrias e nelas, lá estava a audição interna deste ouvido apresentando a sua cota. E nessa me veio a oportunidade de perguntar ao cirurgião que me atendeu no finado Hospital Espanhol, o que ele achava de uma cirurgia de correção.

Ele, um jovem médico na casa dos trinta e dois anos. Eu, aí com os meus 38.
Ele me pergunta:
-há quantos anos você toca?
-quase trinta. 
-e nunca sentiu problema por causa desse ouvido fechado?
-como eu não sei o que é ter dois abertos, o meu normal é assim, como estou. 
-Joatan, frequentemente quando queremos sair de uma coisa boa, para uma coisa ótima, esbarramos numa outra coisa que fica no meio das duas, chamada "merda". Vai que não dá certo, vai que você não se adapta, vai que surge um zumbido vindo sabe-se lá de onde...

Bem, acabou-se ali, para a minha felicidade, qualquer interesse em resolver este estigma.

Vim com ele e, no apagar das luzes desta existência, estará comigo.

E sigo tocando "mais ou menos" em monoaural (mono). O stereo, só na próxima encarnação.

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