O risco da decisão foi tão grande quanto o seu acerto. Por Gabriel Oliveira |
Ter, 22 de Março de 2016 02:07 |
Só a possibilidade de Lula voltar ao centro das decisões políticas no Brasil foi o suficiente para os operadores do golpe tomarem decisões tão arriscadas quanto. O governo está ainda em coma induzido, mas não há a menor dúvida de que voltou a respirar. Seu fim, ao contrário do que pensam alguns, não é certo. Se fosse, a principal instância do poder judiciário no país não estaria agora preocupada com a decisão que irá tomar nos próximos dias. Se o fim do governo Dilma fosse certo, Lula já estaria na prisão desde o dia em que Gilmar Mendes suspendeu sua posse como ministro. A reação dos operadores do golpe à decisão de levar Lula ao ministério foi nitidamente tomada de improviso. Arriscada demais. Afinal, o que é mesmo "desvio de finalidade"? Um ex-presidente não-réu tomar posse na Casa Civil? Ou um juiz federal, horas depois do anúncio do novo ministro, retirar o sigilo de escutas altamente questionáveis divulgadas no mesmo dia e horas depois em que foram gravadas? Pior: ligações que não revelaram nada, e provavelmente não vão revelar. Moro é um político. E opera com políticos. Independente das possíveis irregularidades na decisão de retirar o sigilo das gravações, o fato mais importante, sobre o qual obviamente a imprensa não disserta uma linha, é que o juiz tomou uma decisão essencialmente política, visando essencialmente a conjuntura política. Nada, absolutamente nada, de processual. Mas isso nós já sabemos. O importante é que a decisão tomada pelo juiz na semana passada, ao que parece sob a autorização da PGR, foi uma jogada típica de quem esteve prestes a perder a condução dos acontecimentos políticos. A intenção não é punir Lula. Colocar Lula na cadeia não tem nada a ver com atos de corrupção. Isso é uma farsa. Colocar Lula na cadeia tem a ver com impedi-lo de operar politicamente. Impedi-lo de estar no centro das decisões políticas, como de maneira acertadíssima pretendem ele e o governo Dilma. Quando Lula entrar no governo, se ele entrar no governo, ele irá abalar completamente as articulações entre PMDB e PSDB para o impeachment no Congresso. Se haverá tempo ou não para desarticular o golpe, agora é mera especulação. Mas a possibilidade de isso acontecer é muito grande. Não simplesmente pela competência política do ex-presidente. Mas por sabermos onde sua competência política, sua representatividade e sua passagem pelo governo federal o levaram. Lula não é o principal alvo porque tem um sítio ou um apartamento não sei onde. Lula é alvo porque apenas com ele no centro da crise seria possível fazer o que fizemos na última sexta-feira. Eles jamais admitiriam publicamente, mas um milhão de pessoas nas ruas assustou demais os operadores do golpe. Não porque foram maiores do que as manifestações pró-impeachment, até porque não foram. Mas porque ali eles perceberam que destituir Dilma e prender Lula não será tão simples assim. Tirando as micro-organizações de esquerda e aqueles militantes de causa própria, todos os setores progressistas no Brasil responderam à altura nos últimos dias contra a possibilidade de golpe e o avanço do fascismo na sociedade brasileira. Por isso também estamos há três longos dias sem grandes novidades. A operação subterrânea e não-grampeada do golpe está refletindo melhor sobre o que pode e o que não pode, sobre o que deve e o que não deve fazer. Disse a vários amigos na sexta-feira, depois da suspensão de Lula, que não achava que ele seria preso antes da decisão do STF. Mero achismo. Disse isso, mas de lá pra cá não paro de atualizar o noticiário, no fundo esperando o grande espetáculo televisionado das algemas às mãos do ex-presidente. Mas o juiz que pretende prendê-lo, como é um rapaz inteligente, já deve ter percebido a crise sem precedentes que ele mesmo criou no ambiente jurídico. A posição da OAB é uma piada. Não me lembro a última vez que a OAB nacional esteve envolvida de verdade num processo de discussão e mobilização profunda para transformar e encontrar soluções para o sistema político brasileiro. Mas fora a OAB, basta dar um "google" e ver quantos juristas extremamente respeitados no país inteiro já assinaram notas, compuseram atos políticos e declararam ao Brasil a preocupação com os rumos do processo que visa Lula atrás das grades. Prender Lula antes do plenário do STF pode apenas agravar essa crise. E os operadores do golpe podem ganhar inimigos declarados também na Suprema Corte, o que não seria algo muito positivo. Até parte da imprensa recuou no últimos dias. O Estadão não, besta-fera do jornalismo de direita. Nem os veículos da Globo, arroz de festa dos golpes. Mas editoriais e vários articulistas, de direita e de esquerda, questionaram o todo-poder em Curitiba. Isso tudo somado à probabilidade de haver uma reação nas ruas maior do que a que houve sexta-feira, torna a decisão de prender Lula mais difícil. Pode ocorrer amanhã, mas as consequências podem também ser implacáveis. De qualquer forma, sabemos que o futuro do governo, de Lula e da esquerda, além de sua capacidade de manter a mobilização mobilização social, depende muito das próximas decisões que serão tomadas por esse pessoal de toga em Brasília. E nenhuma votação no STF costuma ser muito previsível. Já vimos em situações anteriores que as decisões no STF parecem mais com uma disputa de pênaltis. Com a diferença de que ninguém lá gosta muito de usar camisa de time. Tirando Gilmar Mendes, claro, esse furúnculo da justiça no Brasil. Acovardados ou não, os ministros sabem o peso da decisão que irão tomar. Sabem que, seja ela qual for, haverá uma repercussão astronômica na opinião pública. E a "covardia" pode estar aí. Sabemos que a sanha golpista no Brasil coincide com a sanha fascista. No fundo, Lula é aquele menino amarrado no poste. Não porque Lula e o menino são as mesmas pessoas. Nem porque ambos são inocentes. Nem sei se são. Até porque o que importa para o golpe e para o fascismo não é a inocência, nem de Lula nem do menino. O que importa é amarrá-los ao poste. Humilhá-los. Fazê-los pagar em praça pública, não por quem eles são ou pelo que eles fizeram, mas pelo que eles representam. Representam a possibilidade igualdade que nem a direita, muito menos o fascismo querem ter por perto. Lula e o menino nos representam. Por isso, passarão. Os golpistas, não. Gabriel de Oliveira é jornalista. |
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