Pode não lhe parecer, mas experiência de votar diretamente para escolher o presidente - e ter o resultado escolhido pela maioria respeitado pelas instituições -, não é uma coisa assim tão natural para os brasileiros.

Considere:

1. Em 126 anos de República tivemos apenas 31 eleições presidenciais (e 40 presidentes, vejam só!). Votamos de 1891 a 2014, os americanos já estão para fazer a sua 58ª eleição presidencial, por exemplo.

2. Em apenas 22 eleições presidenciais os eleitores escolheram por voto direto o presidente da República. Por nove vezes, nos passaram a perna nos tomaram o direito de escolher diretamente quem ocupa a presidência.

3. Em apenas 11 eleições presidenciais as mulheres também puderam votar: 4 vezes entre 1945-1960 e 7 vezes desde 1989. Não sei se você já se deu conta, mas se você é mulher saiba que é a primeira geração da história a experimentar um ciclo de 25 anos com possibilidade de votar.

4. Os analfabetos votaram para presidente somente a partir de 1989 e só tiveram esse gostinho por sete vezes.

5. Isso quer dizer que sufrágio universal de verdade (valem homens, mulheres e analfabetos) só houve neste país nos últimos 25 anos.

6. Só em 1945 tivemos a nossa primeira eleição sem resultado comprometido por fraude. Fraude escancarada, eu quero dizer.

7. Quem tem 55 anos de idade, foi votar pela primeira vez apenas com quase 30 anos, porque entre 1960-1989 a ditadura nos tirou a chance de votar para presidente.

8. Tivemos um golpe de Estado em 1930 que invalidou o resultado da eleição daquele ano e fez com que a eleição de 1934 fosse por voto indireto. Depois, outro golpe de Estado (um autogolpe de Vargas), em 1938, cancelou as eleições presidenciais daquele ano, e só foi possível voto direto novamente em 1945.

9. No total, 10 eleições tiverem o seu resultado alterado por conta de golpes de Estado ou das ditaduras subsequentes

Considerando tudo isso, não entendo a ansiedade de alguns em entregar de bandeja ao Congresso o nosso poder soberano, conquistado com tanto sofrimento e nunca extensamente experimentado na nossa intermitente história republicana, de escolher nós mesmos quem deve exercer o mandato presidencial.

A este ponto, e considerando como vem sendo conduzido o processo, o impeachment corre o risco de ser aprovado exclusivamente com base no fato de que a oposição pode ter o número suficiente para aplicá-lo. Lembrem, contudo, que do ponto de vista eleitoral, "oposição" é simplesmente outro nome para o grupo que perde a eleição, para o grupo que foi rejeitado pelo voto livre e limpo da maioria dos eleitores. Na democracia liberal, se você é "oposição" isto é simplesmente outro nome para "derrotado na última eleição".

Não faz sentido, a não ser em caso de emergência, e para a defesa da cidadania e não para usurpá-la, que os preteridos eleitoralmente possam agora simplesmente contar o número de votos para, como se fosse um colégio eleitoral em eleições indiretas, revogar um mandato eleitoral que nós, a maioria dos eleitores, decidimos conferir. A soberania popular não pode, mais uma vez, ser usurpada do seu direito de escolher diretamente o presidente da República, e assistir, cheia de contentamento, a esse seu direito ser transferido para o cassino da política partidária. Mais uma vez. A jovem República brasileira merece respeito.

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