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Sir Richard Burton e T. E. Lawrence: Um Paralelo. Por Marcos A. P. Ribeiro
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Qui, 19 de Maio de 2016 20:13

Marcos_Augusto_Pessoa_Ribeiro2Dois “tipos ideais” de escritores podem ser descritos: aqueles que escrevem a partir de uma “experiência mínima do mundo”, transformando-a, com seu talento, em algo interessante para o leitor; e aqueles que, talvez para compensar um déficit de talento literário, buscam intensamente a experiência do mundo, e (d)escrevem a partir de acontecimentos que já são, em si mesmos, interessantes.

Exemplo do primeiro tipo é Marcel Proust, para quem, sair de seu quarto forrado de cortiça e se expor à temperatura das ruas, já representava grande aventura. Em contrapartida, um aparentemente enfadonho salão parisiense da virada do século XIX para o XX ou os ruídos vindos da rua, que ele ouvia ainda na cama, são elevados, pelo talento literário do escritor, à condição de grande aventura do espírito e dos sentidos.

Ao segundo tipo pertencem todos aqueles intrépidos exploradores, que se lançam a aventuras consideradas, pela maioria dos mortais, como incitação ao suicídio. Naturalmente, após vivenciá-las, quando escapam em condições de fazê-lo, eles escrevem sobre elas. Mas o talento que tiveram para escapar de tantos perigos, improvisando e criando em situações muito adversas, não encontra correspondência na narração. Exemplo de textos desses exploradores-narradores são os livros de Amyr Klink – escritos com a precisão insípida de um manual para velejadores.

Existe, contudo, um tipo de homem, certamente raro, bem-sucedido tanto na ação como nas letras. Sir Richard Francis Burton (1821-1890) e Thomas Edward Lawrence (1888-1935) pertencem a esse grupo.

Ambos estudaram em Oxford, um dos templos da cultura britânica.

Burton foi expulso por desobedecer à proibição de assistir a uma corrida de obstáculos, e partiu gloriosamente no alto de um coche, tocando uma trombeta e acenando para as mocinhas. Ingressou no exército da Companhia das Índias Orientais, sendo enviado para a Índia, onde participaria do que se convencionou chamar de “Grande Jogo”: a disputa entre Inglaterra e Rússia pelos territórios da Ásia Central e Ocidental. Explorou a Índia, o Paquistão e a África Central; em busca das nascentes do Nilo, avançou por territórios completamente desconhecidos dos europeus; doente, quase cego, fazendo-se transportar em maca por nativos à beira do motim. Na costa somali, foi atingido por um dardo, que entrou pela face esquerda, saiu pela direita, arrancando dois molares e cortando o palato; ainda com o dardo na face, Burton vagou durante toda noite até ser recolhido por um navio. Teve sífilis secundária e vários episódios de malária. Posteriormente, foi nomeado cônsul inglês em Santos e aproveitou para percorrer o rio São Francisco e descer ao fundo da mina de Morro Velho (Ouro Preto). Participou, como observador, da Guerra do Paraguai e peregrinou pela Argentina, pelo Uruguai, pelo Peru e pelos EUA.

Lawrence graduou-se com distinção em História, em Oxford, com uma tese sobre os castelos dos cruzados. Destacado para a Força Expedicionária do Hejaz, que atuava no Oriente Médio, liderou a revolta das tribos árabes contra os 500 anos de dominação turca. Unir as tribos, há séculos inimigas e organizá-las militarmente, levando-as à vitória contra um inimigo muito mais poderoso, constituiu uma proeza militar, estratégica e diplomática. Lawrence era um intelectual refinado e um esteta. Em plena campanha no deserto, refletia sobre as teorias de Clausewitz e achava belos os corpos dos soldados inimigos marfinizados pelo luar.

Europeus de formação clássica, eles não se detiveram no olhar distante e superior e superior do colonizador, mas adentraram as culturas não-européias, particularmente a árabe.

Burton era considerado o maior arabista ocidental de sua época. Convertido ao islamismo, ele foi o primeiro europeu a realizar a peregrinação à Meca, cidade proibida aos não-mulçumanos. Disfarçado de dervixe, com risco da própria vida, aderiu a uma caravana de peregrinos, conviveu com eles, discutiu o Corão com autoridades religiosas, sem ser descoberto. Nisso foi auxiliado pelo seu famoso “ar cigano” (era moreno, de olhos escuros).

Lawrence recebeu das mãos do líder Feisal um traje árabe de seda branca com fios dourados que usou durante toda a campanha da Revolta Árabe. Quando encontrou ingleses num trem, vestido como árabe e descalço, não foi reconhecido pelos compatriotas; declarou-se “do Estado-Maior do xerife de Meca”.

Burton recebeu o título de cavalheiro – Knight Commander of St. Michael and St. George. Morreu de apoplexia em Trieste (Itália), seu último posto consular, aos 70 anos, trabalhando simultaneamente em 11 mesas de pinho, espalhadas pelo seu vasto palazzo. De um homem tão devotado à ação, poder-se-ia pensar que não teve tempo para o trabalho intelectual. Mas Burton aprendeu 29 línguas e escreveu 59 livros! A maioria deles sobre suas viagens; mas também sobre o uso militar da baioneta e do sabre. A respeito do Brasil, escreveu dois volumes – The Highlands of Brazil. Traduziu As Mil e uma Noites, numa versão que é considerada a mais brilhante e erudita já realizada, o Kama Sutra, Os Lusíadas e Iracema.

T. E. Lawrence (como era conhecido), após a vitória contra os turcos, tornou-se uma lenda viva, tanto no Oriente Médio - onde sua cabeça foi posta a prêmio, o que o obrigou a contratar uma guarda pessoal de 50 beduínos - como na Inglaterra. Descontente com a fama e o descumprimento da promessa de autonomia de autonomia política feita pelos ingleses aos árabes, da qual fora pessoalmente fiador, Lawrence abandonou o exército e recusou, durante uma audiência com o rei Jorge V, a Ordem de Bath, deixando o monarca - nas palavras dele próprio – “holding the box in his hand”. A seguir, mudou o nome para T. E. Shaw, provavelmente devido a sua amizade com Bernard Shaw, e realistou-se. Adquiriu um pequeno chalé em Dorset, onde viveu até morrer num acidente de motocicleta aos 47 anos.

Lawrence escreveu 10 livros e traduziu a Odisséia.  Entre seus livros, destaca-se o impressionante Os Sete Pilares da Sabedoria, no qual narra sua participação na Revolta Árabe. Um clássico da literatura moderna. Dos livros escritos no século XX, talvez seja o que melhor harmonize aventura física e intelectual. Na opinião de Winston Churchill, trata-se de “um dos maiores livros já escritos em língua inglesa. Como narrativa de guerra e aventura, é inigualável”.

Burton tinha uma cultura do tipo enciclopédico e virilidade “clássica”. Alto, forte, dotado de imensa vitalidade física, avançava conquistando territórios, línguas e mulheres nativas, com a mesma cruel e quase insana voracidade.

Lawrence, fisicamente frágil, tinha uma sensibilidade artística e uma virilidade “menos clássica”. Deleitava-se com os jovens corpos de seus soldados. Foi preso e sodomizado pelos turcos; quando, então, seu desenvolto lado masoquista o levou a dar um sorriso de “natureza sexual” – segundo suas próprias palavras – para o turco que o espancava.

Levando o corpo e o espírito aos seus limites, ambos buscaram alcançar a transcendência pelo excesso.

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