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"A guerra às drogas estigmatiza o usuário" Por Tatiana Mendonça
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Qua, 25 de Maio de 2016 11:12

Tatiana_MendoncaEm abril, o historiador baiano Eduardo Ribeiro, 31, nascido e criado no bairro do Cabula, em Salvador, viu-se na sede das Nações Unidas, em Nova York, para apresentar uma carta assinada por 46 entidades negras brasileiras na Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU sobre o problema mundial das drogas. A carta, produzida com a mediação da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (INNPD), que Eduardo coordena, afirma que a atual política de drogas penaliza especialmente a população negra, que é a que mais morre e é mais encarcerada nesta guerra. O governo brasileiro sensibilizou-se com a questão e assumiu como pauta permanente a inclusão da perspectiva racial no debate sobre drogas. Os embaixadores irão trabalhar agora para atrair outros países para a causa. Pela influência que têm na ONU, os Estados Unidos são, naturalmente, alvo preferencial neste processo. Graduado em história pela Universidade Federal da Bahia e atualmente professor da rede estadual de ensino, Eduardo conta que o INNPD surgiu a partir de discussões no Fórum Mundial de Direitos Humanos e no Conselho Nacional da Juventude. A iniciativa foi lançada nacionalmente em Salvador no dia 13 de abril, na Ladeira da Preguiça. No dia 4 deste mês, foi a vez de São Paulo. Usuário de drogas, Eduardo defende que nada é mais legítimo que legislar em causa própria.

Que propostas a Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) levou para a Assembleia Geral das Nações Unidas e como elas foram recebidas?
O documento final discutido nesta assembleia passou por construções anteriores no Conselho de Narcóticos da ONU, o CND, do qual nós também participamos. As reuniões aconteceram em março, em Viena. Lá nós já tínhamos conseguido construir um evento histórico, dentro da programação oficial, chamado "Enfrentando o racismo na política de drogas: a cor do encarceramento, da letalidade e do abuso de drogas no Brasil". Esse evento foi uma construção da INNPD com a participação de outras organizações, inclusive do governo brasileiro. Então, quando nós chegamos à assembleia em Nova York, em abril, nós já tínhamos feito este debate sobre o racismo na política de drogas, amparados por uma carta assinada por 46 entidades negras. O embaixador [Antônio] Patriota reconheceu esse tema como pauta permanente do Brasil dentro das discussões na ONU. Esse resultado foi importante para nós, mas ainda temos muito a caminhar, já que o documento final não contempla muitas das questões que nós trazemos. Houve alguns avanços, não substanciais, mas importantes do ponto de vista da superação do quadro de guerra às drogas, como a inclusão da perspectiva da redução de danos e a própria ideia da necessidade de uma maior participação da sociedade civil na ONU. Outro entendimento importante consolidado na assembleia é que as três convenções da ONU que regulam as políticas de drogas em nível global são flexíveis. Os países podem, portanto, adequá-las à sua realidade local, buscando alternativas ao encarceramento.

Mas como os outros países se inseriram neste debate de pensar a política de drogas por um viés racial?
Como essa pauta é muito nova, ela teve uma ressonância no governo brasileiro e também em organizações da sociedade civil que acompanhavam os debates na ONU. O governo brasileiro passou a conversar com outros países na perspectiva de que este é um tema importante e deve ser incluído nas discussões. Do ponto de vista do debate que nós fazemos sobre a reforma do sistema criminal, os Estados Unidos estariam mais próximos. No entanto, eles não incorporam isso como um tema racial, pelo menos não nos debates da ONU. O presidente Obama tem falado recorrentemente sobre a necessidade da reforma do sistema de justiça criminal dos Estados Unidos. O sistema lá, como aqui, tem um viés profundamente racista. Encarcera sobretudo a população negra. Então, é desejo do governo brasileiro trazer os EUA para encampar este debate.

Não é irônico por parte do governo brasileiro assumir esse discurso quando a gente pensa na forma como nossas forças policiais tratam a população negra?
Isso é parte da tarefa que nós temos de buscar uma alteração da política de drogas pensando a mudança de outros processos dentro do Estado brasileiro. A mudança na regulamentação das substâncias tornadas ilícitas deve vir acompanhada de uma reforma radical do modelo de segurança pública e do sistema de Justiça. Para nós, esse reconhecimento é histórico e demonstra como a sociedade civil organizada tem condições de pautar essa política junto a esses espaços, mas é óbvio que o Brasil ainda alimenta a política de guerra às drogas. O Brasil tem os números mais desastrosos do ponto de vista da letalidade, o que é bem diferente, por exemplo, de um país como os Estados Unidos, onde os negros são sobretudo encarcerados. Aqui, os negros são assassinados e encarcerados. O tema que nós levamos para as Nações Unidas  foi o de uma política de estado genocida contra a população negra. Os números do Mapa da Violência demonstram isso, os números do Mapa do Encarceramento demonstram isso, especialmente o do encarceramento das mulheres. O crescimento da população carcerária feminina nos últimos 15 anos é superior a 500%. E a maioria das mulheres é presa por tráfico de drogas. O Brasil conseguir reconhecer esse debate é importante, mas,  ao mesmo tempo, precisa fazer com que isso se transforme em políticas públicas, o que ainda está muito distante de acontecer, de fato.

Qual é a principal bandeira da INNPD no que se refere à mudança na política de drogas no Brasil?
É fundamental mudar a política de regulação das substâncias hoje tornadas ilícitas, e obviamente para cada substância a gente teria uma regulação diferente. Nós já temos condições de observar que o controle pelo mercado ilícito é o pior dos cenários, porque só produz violência. O controle pelo Estado traria um cenário melhor. A segunda coisa é que qualquer tipo de reformulação do modelo de política de drogas não tem condição de impactar de forma importante na redução da violência se não for acompanhada da reforma do modelo de segurança pública, partindo da desmilitarização da polícia e da própria ideologia do Estado. É preciso também desmilitarizar os territórios hoje ocupados, porque as favelas brasileiras são militarizadas, e isso produz violência, ao invés de reduzir. Outro ponto é a eliminação  dos autos de resistência, que impedem que o Estado apure os crimes cometidos pelo próprio Estado. Mudar a política de drogas é mexer em questões fundamentais para o bem-estar da população,  inclusive dos próprios agentes do Estado. Se é verdade que a polícia brasileira é a que mais mata, é também a que mais morre.

O Brasil tem hoje o Congresso mais conservador desde 1964. A tentativa de chegar a essas mudanças por meio de fóruns internacionais  é uma maneira de contornar este quadro?
Hoje, qualquer proposta de alteração na política de drogas só iria nos desfavorecer. A tendência é que ela ficasse ainda mais rigorosa. No atual cenário, é muito difícil incorporar a pauta da redução de danos, direitos humanos, ou qualquer outra que vá no sentido de flexibilizar as leis, reduzir o encarceramento e proteger a saúde da população. Já do ponto de vista jurídico, existe uma disputa dentro do STF (Supremo Tribunal Federal) pela declaração de inconstitucionalidade do artigo 28, que é o que até hoje criminaliza o uso [o recurso foi pedido pela Defensoria Pública de São Paulo, que entende que o artigo na prática pune a autolesão].  Lá, apesar de o debate estar um pouco mais avançado, também tivemos complicadores. O tema original era a inconstitucionalidade de criminalizar o uso de qualquer droga. Devido às pressões conservadoras externas, os juízes estão orientando seu voto para uma única substância, a maconha. Isso prejudica o debate geral, porque para a gente é fundamental reformar o conjunto da política de drogas, e não só regular o uso da maconha. Nós também questionamos o estabelecimento de critérios objetivos [para distinguir o usuário do traficante]. Para nós, isso contribui para o  aumento do encarceramento.

Mas não seria um avanço, na sua opinião,  definir objetivamente o que caracteriza um usuário e o que caracteriza um traficante?
Talvez, se a gente começasse a debater quais são os critérios objetivos para se tornar um traficante, seria menos encarcerador... Hoje, essa diferenciação de algum modo já existe, só que a Justiça não consegue aplicá-la ou apenas aplica pela cor e a origem da pessoa.

Você faz parte da Rede Latino-Americana de Pessoas que Usam Drogas (Lanpud). Nem sempre os que militam nesta área se colocam nesse lugar. Por que isso é importante para você?
A política de guerra às drogas estigmatiza muito o usuário e faz com que as pessoas não se reconheçam como tal. Mas elas tomam café antes de ir para o trabalho, tomam cerveja no fim do expediente, tomam seu vinho nos festejos católicos... Para acabar com esse estigma, é importante se reconhecer como usuário. E mostrar que isso é só uma das coisas que você faz na vida. O resultado mais legítimo da luta política é você legislar em causa própria, entendeu? A luta das mulheres ser protagonizada pelas mulheres, a luta dos negros ser protagonizada por negros, e a luta para mudar a política de drogas ser protagonizada por usuários de drogas.

Por que, na sua opinião, esse recorte racial para olhar para a questão das drogas passou tanto tempo escanteado?
Porque a maioria dos pesquisadores eram brancos. Essa é uma questão importante, porque a mudança da composição racial das universidades fez com que novas narrativas fossem produzidas, novas formas de conhecimento. Durante muito tempo, como a maioria das pessoas que estavam falando sobre drogas era vinda da classe média, não era central para elas debaterem, por exemplo, a quantidade de pessoas que estavam morrendo na favela a partir dessa política de guerra às drogas, ou mostrar que por ser negro você é atingido desproporcionalmente pelo sistema de justiça criminal. Algumas pessoas até tinham essa sensibilidade, mas olhar para esta questão com a centralidade que ela merece só foi possível pela chegada desses novos atores e atrizes políticas. O debate sobre a política de drogas é um debate sobre a vida das pessoas, sobre o direito ao uso, ao corpo, à cidade, à cultura.

Eduardo Ribeiro participou de assembléia na ONU para discutir o viés racial na política de drogas - Foto: Lucas Melo | Ag. A TARDE

Eduardo Ribeiro participou de assembléia na ONU para discutir o viés racial na política de drogas

Entrevista publicada originalmente em http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/1772938-a-guerra-as-drogas-estigmatiza-o-usuario

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