Eu não sou negra no meu tom de pele, mas é só olhar pra mim que dá pra ver a mistura que trago. Sim, tem sangue negro aqui. E índio e europeu também. Muito provavelmente, em você que está lendo também. Só respeite meu direito de falar.

Não existe racismo reverso: RACISMO É RACISMO. E é tão inaceitável que chega a ser ridículo. Aliás, qualquer forma de preconceito também é. Tô vendo gente falar sobre apropriação cultural sem ter a mínima noção das coisas que estão falando.

Vamos falar de cultura? “A Cultura Brasileira é o resultado da miscigenação de diversos grupos étnicos que participaram da formação da população brasileira.” *

Observação 1: pra quem bate no peito falando dessa miscigenação, vale a pena lembrar que ela nasceu no estupro de índias e negras no surgimento desse país. Pensar nisso, sim, é começar a pensar na apropriação de cultura. E é bem triste constatar que a história do Brasil começou assim. Mas vamos lá.

Meu bem, a gente se apropria a todo tempo de expressões, músicas, roupas, estilos, pensamentos. Sabe aquela raça de cachorro que não teve origem no Brasil, mas você tem como pet ou deseja ter? Pois é. Sabe aquele tênis que virou modinha aqui e você usa? Repara, esse estilo não surgiu aqui. E aqueles óculos escuros que viraram tendência no verão? Também não. Tem gente que erra regência nominal, concordância verbal, mas não perde a oportunidade de jogar uma palavra em inglês em suas frases. Exemplos simples, né? Isso não é apropriação, não? Ah... é, né?

Você que fala que é black, ou que usa um black no cabelo, sabe mesmo sobre o movimento Black power? Sabe onde foi seu berço e onde foi considerado mais proeminente? Também não foi aqui. E você só ouviu falar dos Panteras Negras por causa da Bey, ou você realmente estuda pra ter discernimento ao lutar por seus direitos? Eu acho fenomenal quando vejo discussões nas quais os envolvidos têm pleno conhecimento do que falam e buscam pesquisar cada vez mais. Ninguém sabe de tudo e isso é o que aumenta a vontade de estudar e entender mais e se vestir e transbordar de argumentos e mais conhecimento.

Existe apropriação em todo tempo e todo mundo tem o direito de usar o que bem entender. Eu quero ver se eu quiser colocar um turbante na minha cabeça, se alguém vai ter a falta de noção de me mandar tirar. Vai perder tempo, sinto informar.

Observação 2: Você está no Brasil. E se preza tanto a miscigenação e fala tanto de origem, quero entender qual o sacrilégio que a menina com câncer cometeu usando um turbante pra ofender tanta gente desse jeito. Somos mistura. Ah, independente de ela ter câncer ou não, o direito é dela de usar. E peço a Deus que ela seja curada.

Uma frase que eu sempre digo: o seu direito termina quando você tira ou delimita o direito do outro. É preciso saber usar a sua liberdade. Não a confunda com anarquia ou libertinagem.
Quer lutar por algo? Massa! Eu acho mais do que justo, acho necessário! Mas faça isso sabendo exatamente quais os caminhos que você tem de percorrer. Não atropele fatos nem pessoas. E não use discurso de ódio, porque só te faz perder a razão.
Ponderar pensamentos e palavras é importante. Saber o que diz também.

Nelinha é Bailarina, Coreógrafa, Produtora Cultural

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