O pensamento totalitário e a incômoda existência de cada um. Por Marcelo Veras |
Qua, 31 de Maio de 2017 09:01 |
É ainda recente a lembrança de um dos capítulos mais sombrios do eugenismo na América. Na primeira metade do século passado, sessenta mil americanos foram esterilizados contra sua vontade por causa de retardos, de doença mental ou de comportamentos «socialmente inaceitáveis», tais como a prostituição ou delinquência.
Eis o discurso do presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos da era Roosevelt: «Seria melhor para todos se, em vez de esperar que os degenerados cometessem crimes para logo serem executados ou que eles morressem de fome em consequência de sua imbecilidade, a sociedade pudesse eliminar aqueles que são manifestamente incapazes de prolongar a espécie. O princípio que torna a vacinação obrigatória seria suficiente para prescrever a ligadura das trompas de Falópio.» Tratando o centro de São Paulo como uma região contaminada por um vírus, tudo que foge ao projeto estético/higiênico é uma ameaça. O mal é ainda mais inquietante quando o elemento perturbador surge em uma área de potentes interesses imobiliários. Aí a ameaça é ainda mais grave, pois ela revela que o manto da normalidade é apenas pretexto para que ações totalitárias mostrem o óbvio: que quem manda em regimes não democráticos não é o povo, mas quem tem o poder da força. Há muito que a questão de ser contra ou a favor das internações compulsórias deixou de ser o real problema jurídico, temos uma lei federal, fruto de debates e conquistas, que prevê tais situações. O que realmente está em jogo é o sintagma doença/maldade, a moralização do espaço psíquico, como justificativa para reinstalar uma lógica de segregação. Curioso ver que nenhuma cena de impacto midiático foi feita nas zonas pobres e necessitadas de São Paulo. A cena das novas pichações feitas pelo prefeito da cidade deixariam Rimbaud ou Baudelaire corados de vergonha se pensaram que a arte vinda da insalubridade poderia "épater le bourgeois". Ao permitir que a cidade receba novos e singelos grafites, ele retira o poder violento da arte e seu potencial subversivo para acatá-la como artefato decorativo da sala de jantar. Os grafites voltaram, a condição de seguir as tendências das novas coleções. |
Última atualização em Qui, 01 de Junho de 2017 16:52 |
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