Poesia a esta hora? Por Franciel Cruz |
Ter, 11 de Julho de 2017 01:39 |
Em uma melancólica e ressaqueada manhã dominical, o menino Ruy Espinheira Filho foi acordado de sonhos intranquilos por um sujeito testemunha de jeová, que dizia trazer a palavra. Impaciente, Ruy questionou, com ênfase.“Eu já fui bater em sua porta para levar a Palavra de Manoel Bandeira?”. Ao ouvir a resposta negativa, ele largou o doce de prima. “Então, não apareça aqui pra trazer palavra de seu ninguém”. (Percebam que ao tratar de Bandeira, Ruy falou com a entonação sacra. Já em relação a jesus botou tudo em caixa baixa). Pois bem. Noves fora a intromissão domiciliar, esta peleja entre poetas e pregadores evangélicos sempre me interessou. Sim, existiam muitas malas tanto de um lado quanto de outro, mas também havia graça. Antonio Short era uma síntese disso. Erudito, mala e engraçado. Certa feita, estava no Quintal do Raso da Catarina destilando as dores de amores em muitos copos de príncipes malucos quando ele chegou para incomodar. Um amigo, que quieto velava meu sofrimento, advertiu o indigitado. “Não brinque com Sandro, não (Sim, muitos amigos me chamavam de Sandro, mas esta é outra história. Derivo), pois ele tomou um corno e é trotskista. Mistura explosiva”. Antonio Short olhou para meu maltratado semblante e disse. “Que mané trotskista o quê? Ele parece mais é com os menudos. E nem sabe sofrer”. Não recordo se meu sofrimento acabou, mas me acabei na risada... Motô, acelere aí para década de 1990. Metido a erudito, desci a ribanceira para ver uma palestra do alemão Hans Magnus Enzensberger, escritor, ensaísta, tradutor, veranista de São Tomé de Paripe e poeta. Estava tudo dentro dos conformes germânicos até que um poeta da praça pediu o microfone e começou a recitar uma poesia malamanhada. O tradutor ia metendo a zorra no alemão e Hans fazendo uma careta mais feia do que outra. No final, o palestrante disse: "Vou ser sincero. Não gostei". O poeta da praça retrucou na hora. "A poesia é sua. Eu só fiz a tradução para o português..." Olhei para a cara de Hans e quebrei a sisudez do ambiente com uma incontrolável risada. Pois muito bem. De tudo isso, eu tirei o seguinte e incompreensível axioma: na ânsia de chegar cedo, a messiânica palavra está sempre atrasada, mesmo quando deseja ser profética. Palavras da salvação!!! Antonio Short - Poeta na Praça |
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