O bairro da Liberdade, na cidade de Salvador fervilhava num caldeirão musical na década de 70. O rufar dos tambores dos blocos carnavalescos, o soar dos atabaques dos terreiros de candomblé e a marcação dos timbaus e tamborins dos sambas juninos assinavam a trilha musical.

Nos embalos domésticos dos fins de semana, mambos e merengues aqueciam as agulhas nas Taterkas.

A alma era negra e musical e complementou-se quando o sentimento black power emanou nos cantos do Ilê Aiyê e  na mesma sequencia James Brown e Toni Tornado invadiram as salas e decretaram que pretos podiam usar cores berrantes nos seus figurinos, exibir imensas cabeleiras e propalar pro mundo, o quanto eram belos e poderosos.Eu e meus colegas do Colégio Duque de Caxias e alguns outros que eram operários no Centro Industrial de Aratu acompanhávamos toda essa ebulição comportamental.

Em meio à essa cena erguia-se uma pequena loja de discos espremida entre uma farmácia e um magazine, na rua Lima e Silva. O nome pomposo era Interdiscos, já sinalizando uma globalização musical  configurada na diversidade do acervo da loja.

A Interdiscos era uma espécie de meca da música que levava todos os dias turmas de jovens estudantes após as aulas para suas vizinhanças onde podiam  escutar os recentes lançamentos do mercado fonográfico nacional ou gringo, naquele período.

No comando da loja estava um jovem negro, cabelo black, morador da Liberdade. Um espécie de influencer musical oportunizando aos seus amigos  audições com clássicos da black music,  rock, jazz, blues e da fina nata da mpb.O

uvia-se, também Luiz Kallaf, Célia Cruz, Jamelão, Nelson Gonçalves, além de Amado Batista, Saraiva, Núbia Lafayete e outras figuras carimbadas.

Nilson Bahia, o jovem gerente da Interdiscos foi fundamental no apoio à formação da cultura musical de muitos jovens periféricos sem condições de comprar discos ou organizar coleções.

Conheci ali, a música de Egberto Gismonti, o Quinteto Armorial ou o som psicodélico do Atomic Heart Mother, do Pink Floyd ( aquele da capa da vaca!), na fantástica loja de discos da Liberdade.

Muitos dos ouvintes das playlists da época que rolavam na Interdiscos evoluíram para  áreas ligadas à cultura.

Ainda me lembro bem quando num período junino ouvi pela primeira vez, o sacolejo de ' Eu Só Quero Um Xodó', de Domingos interpretado por Gilberto Gil. Foi naquela maravilhosa lojinha de discos.

Tocava-se de tudo, gente do calibre de Ella Fitzgerald, Gonzaguinha, Joelho de Porco, Mutantes, Miriam Makeba, Batatinha, Tincoãs e músicas das trilhas das novelas 

 Após um bom tempo, a lojinha mudou-se para outro ponto comercial em frente ao Colégio Duque de Caxias, e não conseguiu arrastar sua legião de admiradores, sendo outro gerente, já não exibindo nas prateleiras aqueles biscoitos finos tão deliciosos que embalavam os sonhos daqueles jovens.

Ah! Uma outra lembrança, a dupla de compositores preferida por Nilson Bonfim: Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro.

Foi quando percebi o quanto era importante a sobrevivência da emoção e o gosto pela poesia 
Agora resta o lado B e uma outra história.

Zuggi Almeida é um escritor baiano.

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