- Aos amigos(as) com mais de 60 anos. Hoje é domingoPé de cachimboO cachimbo é de ouroQue dá no besouroO besouro é valenteQue dá no tenenteO tenente é mufinoQue dá no meninoO menino é chorãoSe esparrama no chão.
( Domínio público )
Essa era a letra da canção que meus amigos de infância do bairro da Liberdade saudavam a chegada do aguardado domingo. Acordar cedo, tomar banho, vestir a famosa ‘domingueira” e seguir para a igreja de São Cosme e Damião - um pouco contrariado, claro. Rezar pra que a missa acabasse logo e retornar pra minha farra dominical. Outros amigos meus tinham uma penitencia mais rigorosa, eram filhos de pais protestantes e obrigados a frequentar o templo evangélico. Essa gurizada só dava as caras na rua após o culto já perto do meio dia.
Era um domingo repleto de brincadeiras e toda turma tinha seu craque no babá, geralmente apelidado de Pelé, o de pontaria certeira no jogo de gude, os pilotos de carrinhos de rolimã e mestre em empinar arraia. A euforia ficava por conta da falta de responsabilidades maiores e do compromisso com a felicidade.
Tudo isso só era interrompido quando chegava a notícia de que um surto de alguma doença tinha chegado no bairro e um desses meninos ou meninas da rua tinha sido infectado.
As mães se mobilizavam para montar as barreiras sanitárias domésticas fazendo uso da criatividade, do amor e da solidariedade. Naquela época trocava-se medicamentos entre vizinhos e uma amiga cuidava do filho adoentado da outra que precisava ir trabalhar fora de casa.
Se o home-office não é praticado nas periferias,hoje, imaginem há muitas décadas ?
Quando o sarampo, a varíola ou a rubéola batia à porta entravam em ação as UPAs caseiras com os remédios artesanais ensinados pelas avós, os banhos de resfriamento para baixar a febre, o infalível chá de capim santo,, o álcool canforado e uma série de medicamentos que amenizavam o sofrimento numa época onde as vacinas eram raridades.
Lembro quando Maninho, filho do Seu Máximo, um amigo meu morreu infectado pelo tétano. Algo difícil de acontecer atualmente.Poliomelite causava deficiência física, desinteria matava bebês e quando alguém contraia a papeira ( caxumba para os sulistas) que diziam que a infecção podia descer pros ovos e o cara ficar “rendido” pro resto da vida. Vixe Maria!
Entre surtos e endemias escapamos quase todos da minha geração, hoje, já sessentões pertencemos aos grupos de risco da pandemia, as UPAs são das prefeituras, o presidente da República é um lunático e a morte se espalha pelo mundo.
- Qual a nossa participação nesse momento que enfrentamos uma ameaça global? - Eu respondo que somos parte importante na superação do vírus.Como?
Seguindo as normas da OMS, obedecendo os decretos municipais e estaduais e acima de tudo tomando todas as doses da vacina. Voce pode achar que pelo fato de estar aposentado acabaram suas responsabilidades com a coletividade.
Mais uma dica: por que não ensinar aos seus netos aquela velha e inesquecível canção? ...Hoje é domingoPé de cachimboO cachimbo é de ouroQue dá no besouroO besouro é valenteQue dá no tenenteO tenente é mufinoQue dá no meninoO menino é chorãoSe esparrama no chão...
Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista. |