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Salvar o Fogo. Por Adroaldo Quintela
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Ter, 23 de Maio de 2023 07:58

Adroaldo

"Eu vejo o mundo com os olhos da minha aldeia" (Tolstoi).

Finalizei a primeira leitura de Salvar o Fogo. Neste livro o autor continua dando voz e visibilidade aos explorados e oprimidos.

O tema central ainda é a posse e uso da terra, presente em Torto Arado. A vilã da vez  é a poderosa Igreja Católica, irmã siamesa da escravidão no Brasil, em sua face super violenta, dissimulada, revoltante e abjeta.  

O ambiente é a Vila da Tapera (o substantivo tapera se refere a algum lugarejo decadente) situada na foz do Rio Paraguaçu. A edificação mais imponente de Tapera é o mosteiro, dirigido pelo abade Tomás. A igreja emprega dois cobradores residentes na Vila para recolher, anualmente, o aforamento das casas e pequenas áreas de terra agricultáveis dos posseiro. Método infalível: quem não pagar peca e provoca a ira de Deus. Logo, o mosteiro toma a moradia e um "espírito  invisível" toca fogo na plantação.  

O mosteiro mantém uma escola de ensino fundamental. Dom Tomás é  predador sexual. Abusa de crianças que estudam no mosteiro. Uma dessas crianças, Moisés, filho rejeitado de Luzia -  descendente da etnia Tupinambá -, quando adulto se vingará dos abusos sexuais. Não mata. Porém age para que o padre Tomás se converta em morto vivo, transtornado pelos pecados capitais e, principalmente, pela perda das riquezas materiais.   

Moisés extrai até o último centavo do dinheiro sujo do abade. Usa uma parcela para ajudar a mãe/irmã a fazer a desejada dentadura, no único protético de Tapera. Enfim, a dor e ódio de Moisés desde os 8 (oito) anos, serviram ao propósito de restaurar o sorriso e a alegria de Luzia.    

Para quem gosta de realismo fantástico a trama é de alta costura. O autor se aproxima de Vargas Llosa em "A Guerra do Fim do Mundo" e Gabriel Garcia Marquez no fabuloso "Cem Anos de Solidão", embora Itamar destaque frases de autores do quilate de João Guimarães Rosa, Juan Rulfo e  e Simone Schwarz-Bart.

Se Itamar Vieira Júnior -  em Torto Arado -  despontou como um dos melhores autores brasileiros da atualidade, em Salvar o Fogo expressa nítida evolução no jeito de escrever e descrever os cenários e as relações entre personagens negras, mestiças, pobres, iletradas e desencantadas com o presente e o futuro.

Em mim o livro gerou reações contraditórias de encantamento, pena, dor, repulsa, raiva, ódio, afeto e solidariedade. A nova ficção de Itamar possui o condão de estimular o leitor para realizar maratona de leitura e reflexão, até a última página.    

Assumi a desafiadora tarefa de fazer uma síntese de Salvar o Fogo para o grupo "Leitura, Baianidade e Alegria". Logo,  deverei efetuar outro mergulho neste romance. Pretendo escrever notas com os detalhes mais importantes das três seções do livro, buscando desvendar as tramas principais, ancorado na percepção do todo.

Itamar declarou que se trata de uma trilogia não planejada, a exemplo dos três livros de As Mulheres do Imperador escritos pelo moçambicano Mia Couto. A trilogia somente se revela necessária, quando personagens de Salvar o Fogo exigem que o autor relate encontros e vivências com personagens e ambientes de Torto Arado.   

No último capítulo o autor dá pistas a respeito da alta probabilidade da materialização dos encontro entre pessoas e relações sociais semelhantes, nas distintas realidades situadas à montante e jusante do Rio Paraguaçu. Ou sejam: Água Negra e Tapera.

Finalmente, destaco com paleta de cores vibrantes que um livro dedicado à mãe, revela-se como ficção radicalmente forte, crua, nua, dolorosa, sedutora e amorosa. Maternidade democrática na literatura, na existência e na praxis é tudo isso e muito, muito, muito, muito mais. 

 
Ótima leitura!


Salvador, 17/5/2023.
Adroaldo Quintela Economista.  Ex-IPEA, ABED e UEFS Cronista e contista por deleite e terapia.

Salvar_o_Fogo

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Última atualização em Qua, 24 de Maio de 2023 14:04
 

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