Um dia de cordeiro na Timbalada. Por Galindo Luma |
Qui, 15 de Fevereiro de 2024 02:04 |
Sábado de carnaval à noite. Vários blocos na fila. Foliões inquietos, ansiosos. Na concentração, bebidas, conversas, pinturas no corpo. Muito movimento de cordeiros, seguranças, retaguarda da banda, jornalistas, fotógrafos. A poderosa banda liderada por Denny iria descer a bela Avenida Oceânica uma hora depois. Ao primeiro cordeiro que encontrei perguntei: Tinha saído no Bloco no dia anterior e o acompanharia fora da corda no dia seguinte. Não vejo muita diferença. Aliás, na maioria das vezes, fora da corda é mais confortável, menos apertado. A ideia inicial era ser cordeiro em outro bloco, o Camaleão, mas de repente pintou a vontade. O primeiro cordeiro que tentei subornar não aceitou e passou o recado ao segundo, que passou ao terceiro e assim fui parar no número 417, bem pertinho do trio, exatamente onde queria. – Quais são as condições? – Bem, lhe pago R$30,00, você trabalha de garçom pra mim e bebe de graça no percurso. – Negócio fechado. – Eu não tenho luvas. – E você não pegou na hora que recebeu a desgraça do lanche? - Eu também não recebi o lanche e exijo os dois agora, além do protetor auricular. – Quem você pensa que é? Nesse momento outros colegas também protestaram exigindo luvas e lanches e o nosso superior desapareceu momentaneamente. Rapidamente já tava virando líder daqueles pobres coitados humilhados e explorados. Ganhar R$30,00 depois de uma extenuante e periculosa jornada lembra a escravidão. O lanche era um suco aguado e um pão surrado com um pedaço de mortadela. Fato interessante é que nossos chefes crescem na hierarquia a depender do tamanho. Quanto mais alto, mais autoridade. E a cada momento um deles vai na corda tirar sua lasquinha. Uns gostam de dar tapas nas nossas cabeças apenas por diversão. Outros nos dão uns cascudos tão fortes que chega a ficar careca o local do couro agredido. Os colegas me diziam pra não reclamar senão, além de apanhar mais, eu seria escorraçado. É uma cena bárbara quando os supervisores expulsam um de nós. Eles rasgam a camisa do trabalhador ainda no corpo dele e os jogam do outro lado da corda dando murros e chutes, como a nos dizer: comportem-se. O Bloco seguia e Denny arrasava como sempre. Meu garçom ia me abastecendo religiosamente e também pelo menos outros dez cordeiros ao nosso lado. É que ficamos amigos e todos já sabiam da história. Eu só segurava agora na corda quando meus amigos anunciavam a presença dos inspetores ou para a saída ou entrada dos foliões no bloco. Alguns desses foliões me olhavam meio desconfiados. Outros me ofereciam resto de cerveja quando o líquido já estava quente. Eu recebia, agradecia, e jogava fora, – Eu conheço você de algum lugar? me perguntou uma paulista que flertara comigo no dia anterior dentro do bloco. – Não, deve ser engano. Em determinado momento, chamei um fotógrafo dentro do bloco que havia me fotografado no dia anterior. Queria um registro junto com meus novos amigos. Chegaram minhas primas, minhas amigas do Ceará, de São Paulo e de Minas ao lado da corda. Aquele monte de mulher cheirosa, bonita e bem arrumada me abraçando e me servindo bebida atraía a curiosidade dos associados e dos chefetes. Estávamos em frente a um famoso camarote do Carnaval e lá de cima o governador, senadores e deputados acenavam pra mim, todos a duvidar de ser eu mesmo a pessoa que estava a trabalhar cordeiro de bloco de carnaval. Seria um sósia? O governador Wagner cochichou alguma coisa no ouvido de Gabrielli, presidente da Petrobras, e apontou para mim, como se estivesse a perguntar se ele conhecia aquele cordeiro. No dia anterior eu estava lá com eles no mesmo ambiente. Logo resolvi sair. Se continuasse poderia prejudicar meu amigo da camisa 417. Os 10 amigos e amigas que conheci nessa fantástica experiência antropológica, todos residentes no Planeta dos Macacos, favela próxima ao aeroporto, foram meus convidados na noite seguinte num prestigiado camarote do circuito. Eles beberam, comeram do bom e do melhor, cortaram cabelo, fizeram unha, tomaram massagens, dançaram na boate, enfim, se divertiram como nunca antes na história do carnaval dos cordeiros. Até hoje são meus amigos, inclusive arranjei uma namorada lá na comunidade, Camila. Ela era tão bonita e gostosa que parecia ser de outro Planeta. |
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