Como os poetas perduram na escrita e na oralidade de quem os cita, Leminski faz 80 anos em 2024, embora a formalidade da língua nos obrigue a dizer: faria.

Nascido em Curitiba, o poeta Paulo Leminski (24 de agosto de 1944 - 7 de junho de 1989) perdura no quotidiano da sua cidade, suas poesias irradiam nas paredes dos bares, nos muros, em grafites, em inúmeros eventos e no ar que se respira, Leminski é Curitiba. E não poderia ter nascido noutra capital, em qualquer capital, o destino é certeiro.

A elegante, adusta, cinza - e florida - Curitiba foi o lugar escolhido pelas musas para o nascimento deste iconoclasta filho de um militar de origem polonesa e uma mulher de ascendência africana, professor de História e Redação, estudioso da cultura japonesa e do zen budismo, faixa preta de caratê, autor de biografias como as de Matsuo Bashô e Trotsky, tradutor das obras de James Joyce e Samuel Beckett, entre outros. O autor de “Catatau” (1975), “Tripas” (1980), “Distraídos Venceremos” (1987) e “Metamorfose” (1994), que trazia sob a sua capa de cavaleiro andante estudos de Teologia e Literatura Clássica nasceu numa cidade extremamente organizada, retilínea, pulcra e silenciosa, “um lugar onde todos têm razão, melhor não ter razão nenhuma”.

Um lugar assim clamava por uma estrepitosa exceção para manter a regra dos cidadãos que circulam ordenadamente em Tubos (o famoso meio de transporte público curitibano) pelas artérias citadinas, entre aromas de frondosas árvores e flores, chuvas melancólicas ebocas malditas. Um lugar assim devia ter também o porta-voz dos que andam na contracultura, na boemia das margens, porque “en la lucha de clases, todas las armas son buenas, piedras, noches, poemas”. Um amigo gaúcho me disse certa vez que gostava muito da capital do Paraná, mas que “poderia estar um pouquinho mais suja”. E Leminski, aquele que alguma vez quis ser monge, é um pouco o portador dessa necessária discordância, dessa “sujeira” boa e imaginativa que carrega esses troços de poesia, dejetos fabulosos das margens do dia que fazem com que a vida seja algo mais que o diário percurso da sobrevivência do dia a dia.Com seus espessos bigodes de guerrilheiro das estepes e os seus chamativos óculos perscrutadores do invisível irrompe no meio das urbanas araucárias, com um ruído primaveral nesta cidade de outono, um tanto caipira, um tanto erudita, amável e repressiva a um mesmo tempo, sujeita firmemente por implacáveis rédeas oligárquicas resguardadas por ignotos juristas da assim chamada República de Curitiba. Alguns dirão que Paulo Leminski já não vive e já não sonha em Curitiba, mas a esses eles diz:

“A vocês, eu deixo o sono. O sonho, não! Este eu mesmo carrego!”.

Carlos Pronzato, Cineasta, diretor teatral, poeta e escritor. Sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB) Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Compartilhe: