Um homem negro, pai, morador de periferia, policial. Ocorre uma ação policial no bairro onde vive e o filho adolescente desaparece. Este é o ponto de partida para As Balas Que Não Dei Ao Meu Filho, solo com o ator Antônio Marcelo, com direção de Antônio Fábio e dramaturgia de Daniel Arcades, que se apresenta dia 26 de agosto, no Centro de Cultura de Alagoinhas, pelo projeto OROAFROBUMERANGUE, do Núcleo Afro Brasileiro de Teatro de Alagoinhas – NATA, com apoio financeiro do Governo do Estado, através do Fundo de Cultura da Secretaria da Fazenda e Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, aprovado no Edital Setorial de Teatro da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), com produção da Modupé Produtora.
A dramaturgia se constrói através do tempo e do caráter épico. Uma ação se passa no presente, que é a do policial dentro de sua casa, e momentos de narração sobre a memória negra e especulações futuras. Em determinado momento a dramaturgia é fragmentada para história de um capitão do mato. “Sabemos que grande parte dos nossos policiais são negros e a maioria das pessoas mortas por eles são negras. Assim foi no passado, foi no Cabula e é em As Balas que não dei ao meu filho”, esclarece Arcades, ao acrescentar que o texto sai do caráter performático e da corporeidade e potência que é o corpo negro, comum nos trabalhos do NATA, para um solo com foco na interpretação prioritariamente realista.
O conflito busca refletir sobre o genocídio da juventude negra nas periferias das grandes cidades. O espetáculo mostra ainda como o sistema racista coloca negros para assassinarem negros, nos faz não entender que negros, moradores de periferia, policiais e bandidos, muitas vezes, dividem o mesmo espaço e têm condições financeiras próximas. Trazer esse enredo tem por objetivo humanizar a figura do policial, que muitas vezes é execrado pela sociedade. “É importante falar que não queremos vitimá-lo. Nós, do movimento negro e da periferia, enxergamos esse policial como algoz, vice-versa. Entretanto, precisamos compreender que ele não é nosso inimigo, que ali tem um ser humano, que tem família, filho, sente dor, se apaixona, sente raiva”, explica Antônio Marcelo.
No processo de pesquisa, o ator conta que encontrou a imagem de um policial segurando uma camisa com a seguinte frase: ‘Isso não é uma simples farda é uma segunda pele’. “Essa frase mostra que esse policial vive uma prisão social. No entanto que, no solo o personagem tenta tirar a farda e não consegue. A impressão que eu tenho é que a humanidade desse sujeito fica apagada, que a identidade dele vira aquela farda. Não quero solucionar nada no espetáculo, só quero tencionar esses pontos”, pondera Marcelo.
Daniel Arcades reforça que ao escrever o espetáculo pensou numa dramaturgia onde a complexidade do policial fosse discutida. “Em nenhum momento quero colocar o policial na posição de vítima, nem justificar uma chacina, mas complexificar o homem negro que está naquela situação, coloca-o no local de vítima e algoz da situação. Se esse jovem negro que é morto em chacinas, for parente de quem o assassina, o que acontece?”.
Chacina
Na maioria dos seus espetáculos, o NATA optou por falar do povo negro através da valorização da beleza, do empoderamento, das histórias de impérios, reis e rainhas, mas, a temática social vem invadindo de uma forma muito grande. “Em Salvador, estamos com dados cada vez maiores de assassinatos de negros e negras. Queremos lançar luz à temática com complexidade e para o povo negro se pensar, se questionar e produzir possibilidades. Nós por nós”, enfatiza Arcades.
Antônio Marcelo conta que o solo nasce em 2015, quando policiais matam 12 jovens e adolescentes no bairro do Cabula, em Salvador. “Sempre estudei o extermínio da comunidade negra. Na época da chacina fiquei muito incomodado e conversava a respeito com Arcades, que teve a ideia de escrever As Balas Que Não Dei Ao Meu Filho”, recorda.
Solos
O projeto Natas em Solos é um projeto artístico-investigativo-formativo que consiste na investigação, montagem e apresentação de seis solos concebidos e realizados pelos intérpretes/criadores do NATA a partir das pesquisas cênicas individuais destes artistas. As montagens ficam em cartaz de 18 a 27 de agosto, às 20h, com ingressos a R$ 10 e R$ 5. O público poderá conferir no Centro de Cultura de Alagoinhas os solos Iyá Ilu de Sanara Rocha (18 - sexta-feira), Mundaréu de Thiago Romero (19 – sábado), Impopstor de Daniel Arcades (20 - domingo), Gbagbe de Nando Zâmbia (24 - quinta), As Balas Que Não Dei Ao Meu Filho de Antônio Marcelo (26 - sábado), e Rosas Negras de Fabíola Nansurê (27 – domingo).