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A economia do fundo do poço por Paul Krugman
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Economia
Ter, 25 de Novembro de 2014 04:05

paul_krugmanSeis anos atrás, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) chegou ao fundo do poço.

Vinha cortando a taxa de fundos federais, a taxa de juros que usa para orientar a economia, em ritmo mais ou menos frenético, em uma tentativa mal sucedida de conter a recessão e a crise financeira. Mas por fim chegou ao ponto em que nenhum outro corte era possível, porque os juros não podem ser inferiores a zero. Em 16 de dezembro de 2008, o Fed determinou que sua meta para a taxa de juros de referência dos Estados Unidos ficaria entre zero e 0,25%, onde continua até hoje.

O fato de que tenhamos passado seis anos vivendo com juro zero é tanto espantoso quanto deprimente. O que é ainda mais espantoso e deprimente, se você quer saber, é o quanto o nosso discurso econômico vem demorando para se enquadrar às novas realidades. Tudo muda quando a economia está no fundo do poço - ou, para usar o jargão correto, em uma armadilha de liquidez (nem pergunte). Mas, por muito, muito tempo, ninguém que tivesse o poder de direcionar a política econômica parecia acreditar nisso.

O que quero dizer ao afirmar que tudo muda? Como escrevi muito tempo atrás, em uma economia que está no fundo do poço, "as normas usuais de política econômica já não se aplicam: virtude se torna vício, cautela é risco e prudência é insensatez". Os gastos do governo não concorrem com o investimento privado, mas na verdade o promovem. Os dirigentes de bancos centrais, que em geral gostam de cultivar a imagem de inflexíveis guerreiros contra a inflação, precisam fazer o exato oposto, convencendo os mercados e investidores de que forçarão uma alta da inflação. A "reforma estrutural", que em geral significa facilitar o corte de salários, tem mais chance de destruir do que de criar empregos.

Tudo isso pode soar loucamente radical, mas não é. Na verdade, é o que a análise econômica convencional diz que acontecerá quando as taxas de juros chegarem ao zero. E é igualmente aquilo que a história nos diz. Se você tivesse prestado atenção às lições do Japão pós-bolha, ou, aliás, às da economia dos Estados Unidos nos anos 30, estaria mais ou menos preparado para o mundo invertido de política econômica em que vivemos desde 2008.

Mas, como eu disse, ninguém queria acreditar nisso. No geral, as autoridades econômicas e as pessoas muito sérias tendem a operar com base em instintos e não em análise econômica cuidadosa. Sim, elas às vezes encontram economistas credenciados que emprestam apoio às suas posições, mas usam esses economistas do mesmo modo que um bêbado usa um poste de luz: para apoio, mas não iluminação. E o que os instintos dessas pessoas tão sérias vêm lhes dizendo, ano após ano, é que elas devem temer - e fazer - exatamente as coisas erradas.

Assim, não nos cansamos de ouvir que os deficit orçamentários são o nosso mais premente problema econômico, que as taxas de juros disparariam repentinamente a não ser que impuséssemos austeridade fiscal. Eu poderia ter lhes dito que isso era tolice, e de fato o fiz, e a verdade é que a disparada dos juros tantas vezes prevista nunca se concretizou - mas as demandas de que cortássemos já os gastos do governo terminaram por nos custar milhões de empregos e danificaram profundamente a nossa infraestrutura.

Também ouvimos repetidamente que imprimir dinheiro - o que não era exatamente o que o Fed estava fazendo, mas isso não importa - levaria a uma "degradação monetária e inflação". O Fed, para seu crédito, resistiu a essa pressão, mas outros bancos centrais não o fizeram. O Banco Central Europeu (BCE), especialmente, elevou suas taxas de juros em 2011 para evitar uma ameaça inflacionária não existente. Mais tarde a instituição reverteu a decisão, mas jamais conseguiu recolocar as coisas nos trilhos. A esta altura, a inflação europeia fica muito abaixo da meta oficial de 2%, e o continente está flertando com deflação escancarada.
Será que todos esses apelos equivocados são coisa do passado? A era da economia no fundo do poço não terá chegado ao fim? Não conte com isso.

É verdade que, com a queda no índice de desemprego dos Estados Unidos, a maior parte dos analistas antecipa que o Fed volte a elevar as taxas de juros, em algum momento do ano que vem. Mas a inflação é baixa, os salários são fracos e o Fed parece compreender que elevar os juros cedo demais seria desastroso. Enquanto isso, a Europa parece mais longe que nunca de uma decolagem econômica, e o Japão ainda luta para escapar à deflação. Oh, e a China, que para alguns de nós começa a lembrar o Japão do final dos anos 80, pode entrar para o clube do fundo do poço mais cedo do que você imaginaria.

Assim, as realidades da política econômica na zona do juro zero, ainda que contrariem as intuições, devem continuar relevantes por ainda muito tempo, o que torna crucial que as pessoas influentes compreendam essas realidades. Infelizmente, muitas delas não o fazem ainda; um dos aspectos mais notáveis do debate econômico dos últimos anos vem sendo a completa recusa daqueles cujas doutrinas fracassaram no teste da realidade a admitir seus erros, quanto menos aprender com eles. Os líderes intelectuais da nova maioria do Congresso ainda insistem em que vivemos em um romance de Ayn Rand; as autoridades alemãs ainda insistem em que o problema é que os devedores não sofreram o suficiente.

Isso é um mau presságio. O que as pessoas que estão no poder não sabem, ou, pior, o que elas pensam saber mas na realidade não procede, pode certamente nos prejudicar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.



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