Temer revela meandros do golpe, mas Jornal Nacional só fala em Lula. Por João Filho |
Comportamento | |||
Sáb, 22 de Abril de 2017 06:55 | |||
Em setembro do ano passado The Intercept Brasil publicou uma confissão de Michel Temer durante sua passagem por Nova York. O presidente não eleito revelou que os motivos que levaram ao impeachment não seriam as pedalas fiscais de Dilma, mas o fato de ela ter se recusado a adotar o plano de governo neoliberal dos tucanos, rejeitado nas urnas. Apesar da gravidade, ninguém na imprensa ficou escandalizado. Lembremos a confissão: À época, a grande mídia brasileira fingiu que a declaração não existiu. Pior: teve uma jornalista do Estadão insinuando que The Intercept Brasil teria adulterado o vídeo acima. Para ela, Temer seria incapaz de dizer uma bobagem dessas, já que “ele é professor de Direito Constitucional”. Deve ser mesmo muito duro passar meses defendendo a legalidade do impeachment, debochando da “narrativa do golpe”, e depois ver um dos seus principais articuladores confessando, mesmo que indiretamente, que foi golpe, sim, e que as pedaladas fiscais foram um mero pretexto legal. Nessa semana, Temer esteve muito à vontade em uma entrevista para seus colegas da Band e deixou escapar uma nova confissão. Dessa vez, o motivo para o impeachment seria outro:
Sim, foi isso mesmo o que ele disse. Segundo Temer, quem derrubou Dilma não foi o cometimento de um crime de responsabilidade, mas a recusa dela em não ceder à chantagem de Cunha, cujo único objetivo era se livrar da cassação no Conselho de Ética. A história contada pelo não eleito é, aliás, a confirmação da versão de Dilma para a sua derrubada. Em sua defesa no processo de impeachment no Senado, a então presidenta disse aos senadores:
Ou seja, o atual presidente do país, atolado nas mais graves delações da Lava Jato, confessa em rede nacional que a presidenta anterior só foi derrubada por não ceder às chantagens do seu principal aliado político – um criminoso cujo único objetivo era manter o foro privilegiado para evitar a cadeia. Sem nem corar, o usurpador confirma a tese do golpe defendida por Dilma. E isso, meus amigos, não é a grande notícia do país dessa semana! Os jornalistas da Band aceitaram com tranquilidade, e a repercussão nos dias seguintes foi mínima, irrelevante, para não dizer inexistente. Faltou espaço para esse escândalo, mas não para Lula no telejornal de maior audiência do país. Mais uma vez, o Jornal Nacional fez o seu recorte sapeca ao noticiar as intermináveis delações da Odebrecht. Na terça-feira (11/04), o dia em que a Lista de Fachin foi divulgada, a edição do jornal surpreendeu e me pareceu bastante equilibrada. Mas, no decorrer da semana, o jornal voltou para a sua programação normal. Enquanto Temer enfrenta uma das mais graves acusações da Lava Jato, quem foi apresentado como o grande vilão do país foi, claro, Lula – o único nome da esquerda com capital eleitoral e que lidera as pesquisas de intenções de voto para 2018. O site Poder360 analisou o tempo dedicado pelo Jornal Nacional a cada citado na delação durante a semana da divulgação da lista: Juntos, Dilma e Lula somaram 51 minutos de exposição, enquanto todos os outros somados chegaram a 54 minutos. Mesmo sem estar exercendo nenhum mandato há 7 anos, o Jornal Nacional falou mais tempo sobre Lula do que sobre todos os principais tucanos somados que ocupam cargos públicos importantes – dois senadores e o governador do estado mais rico do país. Mesmo com toda essa pesada artilharia, a rejeição de Lula despencou nas últimas semanas e ele lidera isoladamente as pesquisas. Não se trata de separar bandidos e mocinhos, culpados e inocentes, mas de apontar de qual lado estão os oligopólios de mídia e quais são os escolhidos para apanhar mais no horário nobre. Não que houvesse dúvidas, mas nunca é demais registrar. Podem confessar mais mil vezes. Cunha e Temer podem vir a público e assumir textualmente que comandaram um golpe parlamentar que nada irá acontecer. O colunismo não irá se indignar, o Jornal Nacional não vai dedicar meia hora para o assunto, o Estadão não vai noticiar na capa. Até porque, assim como foram em 64, todos eles são coautores do golpe de 16. Com bem disse o ex-presidente da Câmara – e atual presidiário – durante a leitura do seu voto a favor do impeachment, “que Deus tenha misericórdia dessa nação”. Artigo públicado originalmente em https://theintercept.com/2017/04/20/temer-revela-meandros-do-golpe-mas-jornal-nacional-so-fala-em-lula/
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