Amores silenciosos por Contardo Calligaris |
Comportamento | |||
Seg, 29 de Agosto de 2011 10:45 | |||
A gente se declara apaixonado porque está apaixonado ou pelo prazer de se apaixonar?
Fazer e receber declarações de amor é quase sempre prazeroso. O mesmo vale, aliás, para todos os sentimentos: mesmo quando dizemos a alguém, olho no olho, "Eu te odeio", o medo da brutalidade de nossas palavras não exclui uma forma selvagem de prazer.
De fato, há um prazer na própria intensidade dos sentimentos; por isso, desconfio um pouco das palavras com as quais os manifestamos. Tomando o exemplo do amor, nunca sei se a gente se declara apaixonado porque, de fato, ama ou, então, diz que está apaixonado pelo prazer de se apaixonar.
Simplificando, há duas grandes categorias de expressões: constatativas e performativas.
Se digo "Eu declaro a guerra", minha declaração será legítima se eu for imperador ou será um capricho da imaginação se eu for simples cidadão; de qualquer forma, capricho ou não, é uma frase que não constata, mas produz (ou quer produzir) um fato. Se eu tiver a autoridade necessária, a guerra estará declarada porque eu disse que declarei a guerra. Minha "performance" discursiva é o próprio acontecimento do qual se trata (a declaração de guerra).
Recentemente, uma jovem, por quem tenho estima e carinho, confiava-me sua dor pela separação que ela estava vivendo. Ao escutá-la, eu pensava que expressar seus sentimentos devia ser, para ela, um alívio, mas que, de uma certa forma, seria melhor se ela não falasse. Por quê?
Justamente, era como se a falta do namorado (de quem ela tinha se separado por várias e boas razões), a sensação de perda etc. fossem intensificadas por suas palavras, e talvez mais que intensificadas: produzidas.
É uma experiência comum: externamos nossos sentimentos para vivê-los mais intensamente -para encontrar as lágrimas que, sem isso, não jorrariam ou a alegria que talvez, sem isso, fosse menor. Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências, mesmo das dolorosas. Mas há dois problemas.
O primeiro é que o entusiasmo com o qual expressamos nossos sentimentos pode simplificá-los. Ao declarar meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances. No entusiasmo do "te amo", deixo de lado complementos incômodos ("Te amo, assim como amo outras e outros" ou "Te amo, aqui, agora, só sob este céu") e adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado ou a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra.
O segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro. A complexidade de seus sentimentos se perde na simplificação dos nossos, e sua resposta ("Também te amo"), de repente, não vale mais nada ("Eu disse primeiro").
Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso, contido, pudico. Para contrabalançar os romances e filmes em que o amor triunfa ao ser dito e redito, como um performativo que inventa e força o sentimento, sugiro dois extraordinários romances breves, de Alessandro Baricco. [...] escritor italiano,[...]: "Seda" e "Sem Sangue" (Companhia das Letras).
Nos dois, a intensidade do amor se impõe com uma extrema economia de palavras ("Sem Sangue") ou sem palavra nenhuma ("Seda"). Nos dois, o silêncio permite que o amor vingue -apesar de ele não poder ser dito ou talvez por isso mesmo.
No caso de "Seda": te amo em silêncio porque te encontro ao limite extremo de uma viagem ao fim do mundo, indissociavelmente ligada a um outro, e nem sei falar tua língua.
Nos dois romances, a ausência da fala amorosa acaba sendo um presente que os amantes se fazem reciprocamente, uma forma extrema (e freqüentemente perdida) de respeito pela complexidade de nossos sentimentos e dos sentimentos do outro que amamos. Fonte: Blog Busca de Sentidos, 26/06/2008.
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