A justiça poética de ver Eduardo Cunha no pântano da Lava Jato por Paulo Nogueira |
Cidadania | |||
Sex, 09 de Janeiro de 2015 02:27 | |||
Há uma espécie de justiça poética no vendaval que arrastou o deputado Eduardo Cunha para o pântano da Lava Jato. Pouco antes de ganhar o noticiário, ele se apressara em avisar, pelo Twitter, que era terminantemente contra qualquer espécie de regulação de mídia. Provavelmente ele imaginara estar ganhando blindagem – e louvação — das grandes empresas de jornalismo ao adotar uma postura tão servil a elas e tão contrária à sociedade. A reportagem da Folha que o colocou na Lava Jato deve ter sido, para ele, um choque extraordinário. Você pode imaginá-lo dizendo: “Ei, amigos, eu estou do lado de vocês!” Mas onde mais se percebe a justiça poética do caso é na argumentação de Cunha também no Twitter sobre o mérito jornalístico da Folha. Num português manco de quem ou não sabe escrever ou está terrivelmente ansioso, Cunha produziu, sem querer, uma vigorosa defesa da tese de que as regras e a legislação do jornalismo devem ser revistas. Ele criticou o fato de a Folha ter dado uma manchete com base numa declaração – sem prova. Alguém vazou para a Folha que um participante da roubalheira – um certo “Careca” — dissera ter entregado a Cunha 1 milhão de reais desviados da Petrobras. Jornalisticamente, Cunha tem um ponto. Num mundo menos imperfeito, a imprensa não publicaria uma acusação daquelas sem provas. Por uma razão básica: pode ser mentira, e você está destruindo uma reputação. Um editor nos Estados Unidos ou na Inglaterra não publicaria este tipo de coisa, não só por razões jornalísticas – mas porque haveria fatalmente problemas na Justiça, e a perspectiva de indenização pesada caso não fossem apresentadas provas. Mas no Brasil as coisas são bem diferentes. A imprensa, certa da impunidade jurídica, se acostumou a publicar acusações pesadíssimas contra aqueles de que não gosta – particularmente, contra os líderes do PT. O momento supremo disso foi uma capa da Veja que trazia um dossiê – fajuto, se soube logo depois — segundo o qual Lula tinha contas no exterior. Mesmo admitindo no texto não ter conseguido provar nada, a Veja foi adiante e publicou o dossiê – uma contribuição a mais para criar em seus leitores a imagem de um Lula corrupto e riquíssimo. A Justiça nunca foi uma barreira contra este tipo de delinquência jornalística. A profusão de fotos em que aparecem juízes da Suprema Corte com jornalistas e donos das grandes empresas de mídia é reveladora da amizade cúmplice que une partes que deveriam se vigiar. Como o alvo da mídia sempre foram líderes e partidos de esquerda, os políticos conservadores jamais se incomodaram com nada dos sucessivos “escândalos” sem prova. Na verdade, sempre gostaram. Eles só começaram a achar esquisito agora, quando o noticiário trouxe outros nomes que não os suspeitos de sempre. Logo depois de Eduardo Cunha, apareceu na mesma situação, sob idêntica acusação, Anastasia, invenção de Aécio Neves. Chega a ser engraçado ver Aécio dizer que é uma “covardia” publicar acusações sem prova contra Anastasia, ele que jamais tomou nenhum cuidado antes de usar contra adversários denúncias não comprovadas. Toda sociedade avançada tem regras claras e rígidas que impedem que sejam publicadas acusações sem provas. O Brasil, não. Qualquer tentativa de discussão é cinicamente rechaçada, por pessoas como Eduardo Cunha, como uma “ameaça de censura”. Talvez Cunha, agora, pense melhor a respeito da necessidade de debater os limites da mídia.
Sobre o AutorO jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo. Artigo publicado originalmente em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-justica-poetica-de-ver-eduardo-cunha-no-pantano-da-lava-jato/
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