Fundador do Podemos teme retrocesso na América Latina |
Cidadania | |||
Ter, 09 de Fevereiro de 2016 16:13 | |||
Jornal GGN - Juan Carlos Monedero, um dos criadores do partido espanhol Podemos, surgido em 2014, teme retrocesso nos avanços sociais na América Latina. Para o cientista político, as esquerdas latino-americanas cometeram o erro de atacar a pobreza, mas não conseguir engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores. Em entrevista para a Folha de S. Paulo, Monedero explica a ascensão do Podemos, fala das semelhanças dos fatos no início deste século e dos que precederam a Primeira Guerra Mundial, e diz que o "terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo". Leia mais abaixo: Da Folha Criador da sigla espanhola Podemos teme retrocesso na América Latina Colapso econômico, mudanças radicais no sistema político, escalada bélica, grande desemprego: tudo isso aconteceu nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, no início do século passado. Tudo isso ocorre hoje, e as semelhanças das situações são inquietantes.
O alerta é do cientista político Juan Carlos Monedero, 53, um dos criadores do Podemos, o novo partido espanhol surgido em 2014, na esteira dos protestos contra a austeridade, e que se tornou a terceira força política no país nas eleições de dezembro passado.
Para ele, a "única varinha mágica" para sair da crise é gerar emprego –o contrário do que governos estão fazendo. E ataca: "O terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo nos anos 30 do século passado", declara em entrevista à Folha.
Professor da Universidade Complutense de Madri, Monedero teme uma regressão política na América Latina. "Na Argentina, a metade do país não vai permitir que [Mauricio] Macri acabe com os avanços sociais dos últimos anos. Alguns, especialmente os EUA, não teriam problema em converter a América Latina em uma guerra civil permanente, como na Líbia, na Síria ou no Iraque. Confio que os governantes da esquerda estejam conscientes desse risco", diz.
Ex-assessor de Hugo Chávez, ele afirma esperar que "a politização evite essa regressão". Na sua análise, as esquerdas latino-americanas cometeram os mesmos erros que as europeias: atacaram a pobreza, mas não conseguiram engajar os cidadãos, que se tornaram apenas proprietários e consumidores. Autor de "La Rebelión de los Indignados" (2011) e de "Que no nos Representan!" (2011, com Pablo Iglesias, o líder do Podemos), Monedero foi integrante da executiva do partido. Avalia que as últimas eleições espanholas enterraram o bipartidarismo no país. Nesta entrevista, ele fala dos pontos em discussão em curso para a formação de um governo de coalizão com o tradicional PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol): freios a privatizações, a demissões e ao TTIP, tratado que liberaliza negócios. Folha - Como o sr. explica o avanço eleitoral do Podemos? Juan Carlos Monedero - Numa campanha eleitoral, é mais difícil esconder a mensagem; as estratégias de ocultamento funcionam pior. Podemos, como um partido emergente, tem recebido muitas críticas de praticamente todo o espectro político, o que o havia enfraquecido. Nas eleições, ele pode contar quem é. A eleição de dezembro significou o fim do bipartidarismo na Espanha? Só erros profundos do Podemos poderiam dar alento ao bipartidarismo. Mas não parece que essa possibilidade esteja no horizonte. As coisas têm sido bem-feitas até agora e não há razão para enganos no futuro próximo. Quais são as prioridades do partido se chegar ao poder em coalizão com o PSOE? Ela propõe medidas contra a pobreza energética –luz, gás–, estabelece alternativa habitacional a vítimas de abusos, evita despejos para quem não tem onde morar e acaba com o co-pagamento farmacêutico. Na proposta de governo em coalizão com o PSOE, o Podemos reivindica a defesa da justiça social, freio a cortes de pessoal e a privatizações, além da revogação das reformas trabalhistas do PP e do PSOE. Em relação aos meios de comunicação, se deveria trabalhar por uma RTVE [mídia estatal] independente, com profissionais independentes. Na educação, saúde e serviços sociais, trata-se de garantir os direitos sociais e reverter as privatizações. É relevante resolver o problema territorial, assumindo a plurinacionalidade da Espanha. Com a vitória da coalizão Em Comú Podem, na Catalunha, se reivindica que um membro dessa coalizão (Xavi Domenech) seja ministro da Plurinacionalidade. Na defesa, se trata de obter um sistema integral de defesa comum, à margem dos lobbies de armas, e que trabalhe para uma defesa europeia que irá substituir a Otan. Na Europa, temos que travar o TTIP [sigla em inglês para Transatlantic Trade and Investiment Partnership, tratado comercial e de investimentos, em debate, que reduz barreiras e regulações para os negócios] e fomentar a cooperação para o desenvolvimento, ajudando a reverter a ideia de uma "Europa fortaleza", não solidária e distante dos direitos humanos. Na Espanha, o pior da crise já passou? O que deve ser feito para a retomada do crescimento? Quais são os impactos da crise migratória, econômica e dos ataques terroristas para a Europa? É possível comparar a situação atual com os primeiros anos do século 20 que antecederam a Primeira Guerra Mundial? Na América Latina, que o sr. conhece bem, a esquerda sofreu derrotas na Argentina e na Venezuela. Como o sr. explica esses reveses? Onde a esquerda errou? Há avanço da direita no continente? O que deve ser feito? Segundo: a conivência com as velhas formas invariavelmente tem levado ao problema da corrupção às novas formações políticas. A vacina da participação popular não foi implementada. E isso dá à direita revanchista chance de tentar legitimar a sua ideia de que o poder lhe pertence por nascimento. O Brasil vive uma crise política e uma recessão econômica. Qual sua avaliação do país e o que deveria ser feito? Estamos vendo que na Argentina a metade do país não vai permitir que [Mauricio] Macri acabe com os avanços sociais dos últimos anos. Alguns, especialmente os EUA, não teriam problema em converter a América Latina em uma guerra civil permanente, como na Líbia, na Síria ou no Iraque. Confio que os governantes da esquerda estejam conscientes desse risco. Petróleo e China estão no centro das atenções mundiais. Como o sr. analisa essas situações? A demanda menor da China termina por fazer o resto. Enquanto isso, recente informe da Oxfam afirma que 62 pessoas têm tanto dinheiro como 3,6 bilhões de seres humanos. As desigualdades são um fator terrível de desestabilização econômica. E enquanto meia centena de pessoas tiver tanto dinheiro quanto metade da humanidade não haverá solução para os problemas do mundo. O terrorismo financeiro, apesar de vestir terno e gravata, é tão perigoso quanto foi o nazismo nos anos 30 do século passado.
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