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Entre ausência de prova e alguma convicção forma-se o castelo de areia – Por Leonardo Isaac Yarochewsky
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Cidadania
Dom, 25 de Setembro de 2016 17:09

Leonardo_Isaac_YarochewskyQuando do oferecimento da denúncia pelos procuradores da República da Força Tarefa da “Operação Lava Jato” contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e mais seis pessoas, envolvida num espetáculo midiático e pirotécnico, foi dito em momentos distintos que não havia prova cabal, mas que eles (procuradores da República) tinham convicção que Lula era o chefe e comandante máximo do esquema de corrupção na Petrobrás. A citada declaração – que virou meme nas redes sociais – trouxe à lume a discussão sobre a necessidade ou não de apresentação de provas para que seja dado início à ação penal.

Das frases ditas pelos procuradores da Força Tarefa, uma das mais controversas foi dita pelo procurador da República Roberson Pozzobon. Ao explicar a acusação de corrupção contra Lula no tríplex do Guarujá declarou: “Não teremos aqui provas cabais de que Lula é o efetivo proprietário, no papel, do apartamento, pois justamente o fato de ele não figurar como proprietário é uma forma de ocultação“.

Em outro momento, o coordenador da Força Tarefa Deltan Dallagnol afirmou que: “Provas são pedaços da realidade, que geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese. Todas essas informações, como num quebra-cabeça, permitem formar a figura de Lula no comando do esquema criminoso identificado na Lava Jato”.

Sem dúvida, um dos temas mais relevantes do processo penal é a questão da prova, uma vez que é em razão dela e por ela que o juiz decide pela absolvição ou condenação do imputado. Sendo certo que para o Estado-Juiz condenar alguém é necessário que haja prova. E a prova deve ser lícita.

Na sua clássica obra “A Lógica da Prova em Matéria Criminal”, Nicola Framarino Del Malatesta observa que:

Sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade, sua eficácia será tanto maior, quanto mais clara, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a crença de estarmos de posse da verdade. Para se conhecer, portanto, a eficácia da prova, é preciso conhecer como se refletiu a verdade no espírito humano, é preciso conhecer, assim, qual o estado ideológico, relativamente à coisa a ser verificada, que ela induziu no espírito com sua ação.

Segundo o magistério de Hélio Tornaghi,

Todo o processo está penetrado da prova, embebido nela, saturado dela. Sem ela, ele não chega a seu objetivo: a sentença. Por isso a prova foi chamada alma do processo (Mascardo), a sombra que acompanha o corpo (Romagnosi), ponto luminoso (Carmingnani), pedra fundamental (Brugnoli), centro de gravidade (Brusa).[1]

Em razão de sua manifesta importância, a prova, para ser admitida, deve ser lícita e se submeter ao contraditório ante o devido processo legal.

Como é de conhecimento, a produção da prova no processo penal tem por objetivo formar a convicção do juiz em relação à existência ou não dos fatos, sobre a autoria e outras circunstâncias relevantes para prolação da sentença.

Certo é, também, que em razão do constitucional princípio da presunção de inocência a carga probatória é toda da acusação, “o acusado não possui a necessidade de produzir qualquer prova no processo, atribuindo o ônus probatório exclusivamente à acusação, sendo que a falta de prova, a sentença absolutória torna-se uma medida impositiva”. [2]

A prova necessária e imprescindível no processo penal para que o julgador condene – a absolvição pode se dar, inclusive, por falta de provas – não pode ser desprezada e dispensada quando do oferecimento da denúncia. Não é despiciendo salientar que uma das condições da ação é a justa causa, que no dizer de Afrânio Silva Jardim, constitui o “suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado”.[3] Para Aury Lopes Júnior “a acusação não pode, diante inegável existência de penas processuais, ser leviana e despida de um suporte probatório suficiente para, à luz do princípio da proporcionalidade, justificar o imenso constrangimento que representa a assunção da condição de réu”.[4] Segundo Rubens Casara e Antonio Melchior é a justa causa que demonstra “a seriedade da acusação, que impede acusações levianas ou imputações temerárias, despidas de suporte fático[5].

E assim sendo, a instauração de ação penal contra alguém, na democracia, precisa ser justificada por condutas concretas e não imaginadas. Neste sentido, o acórdão do TJSC, da lavra do Des. Carlos Alberto Civinski, reafirma a necessidade de elementos consistentes. (Recurso Criminal n. 2014.090676-7).[6]

Quando do recebimento da inepta e romanesca denúncia ofertada pelos acusadores da República, o juiz Federal Sérgio Moro, após se referir as delações do ex-senador Delcídio Amaral e do ex-deputado Pedro Corrêa, concluiu que: “tais elementos probatórios são questionáveis, mas, nessa fase preliminar, não se exige conclusão quanto à presença da responsabilidade criminal, mas apenas justa causa”.

Embora o comandante supremo da “Operação Lava Jato” tenha se referido à necessidade de justa causa para receber a denúncia, conforme proclama o art. 395, III do CPP, ele ignora o que vem a ser justa causa – entendida como lastro probatório suficiente para que seja dado início a ação penal. Olvida o magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba que o processo penal em si já é uma pena que atinge o status dignitatis do imputado.

Já foi dito e repetido que o processo penal é uma pena em si mesmo. O fato de estar sendo acusado e processado criminalmente, notadamente em uma sociedade midiática e delirante diante do processo penal do espetáculo, traz ao acusado, ainda que presumidamente inocente, uma estigmatização social e jurídica. Como observa Rubens Casara, “no processo penal do espetáculo, o desejo de democracia é substituído pelo desejo de audiência”. De acordo, ainda, como o magistrado e processualista, no processo penal do espetáculo,

o enredo do julgamento penal é uma falsificação da realidade, uma representação social distante da complexidade do fato posto à apreciação do Poder Judiciário (…) O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo.[7]

Ainda, no que diz respeito ao processo penal como pena, valiosa é a lição de Aury Lopes Júnior para quem “não só o processo é uma pena em si mesmo, senão que existe um sobrecusto do desenvolvimento inflacionário do processo penal na moderna sociedade das comunicações de massas. Sem dúvida que se usa a incriminação como um instrumento de culpabilidade preventiva e de estigmatização pública”. [8]

Enganam-se aqueles que acreditam ingenuamente que uma sentença absolutória devolverá ao processado o status quo ante, na verdade, aquele que foi processado criminalmente será distinguido pela sociedade para sempre. Jamais o processado, assim como o condenado que já cumpriu sua pena, será esquecido pelo fato do qual foi acusado, especialmente, se o fato adquiriu proporções midiáticas.

Assim, não poderia o juiz Federal Sérgio Moro receber uma denúncia carecedora de lastro probatório mínimo, uma denúncia baseadas em ilações e delações tomadas daqueles que se encontravam presos e que o fizeram em troca da liberdade ou da redução de uma futura pena. Delação sem corroboração de prova legítima. Delação feita por vingança, ódio ou qualquer outro motivo vil.

Com toda sua experiência de magistrado Alberto Silva Franco assevera que: “a exclusiva palavra do co-acusado constitui-se numa palavra deficiente, precária, inidônea. Equivale a prova nenhuma. E se uma sentença se fundamenta numa prova dessa ordem, revela-se, inequivocadamente, contrária à evidência dos autos”  (Ver. 67.926, Capital, TACrimSP, 1º Grupo de Câmaras Criminais – RT, 498/335)

Não obstante, os procuradores da República da Força Tarefa da “Lava Jato” em nome de suas convicções ofertaram denúncia contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva desprezando a fragilidade das delações e as utilizando como se fossem a “rainha das provas”.

Definitivamente, o espetáculo midiático quando da apresentação da denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua mulher Marisa Letícia e mais seis pessoas, teve como fim – além de constranger e macular a honra do ex-presidente Lula diante do povo brasileiro – iludir e cegar a sociedade diante da ausência de justa causa (mínimo lastro probatório) contra os denunciados.  Ante a carência de provas os procuradores da República construíram com prepotência, arrogância e desprezo ao devido processo legal um castelo de areia que certamente se esvairá na primeira onda trazida pelo Estado democrático de direito.

Primavera de 2016.


Notas e Referências:

[1] TORNAGHI, Helio. Curso de processo penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

[2] WEDY, Miguel Tedesco e LINHARES, Raul Marques. O juiz e a gestão da prova no processo penal: entre a imparcialidade, a presunção de inocência e a busca pela verdade. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 24. v. 119, mar-abril de 2016.

[3] JARDIM, Afranio Silva. Direito processual penal: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

[4] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume I – 5ª ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

[5] CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR , Antonio Pedro: dogmática e crítica. Conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

[6] Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/justa-causa-para-deflagracao-de-acao-penal-precisa-ser-concreta-decide-tjsc/

[7] CASARA, R. R. Rubens. Processo penal do espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.

[8] LOPES JÚNIOR, Aury. op. cit.


Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal da PUC Minas, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Artigo publicado originalmente em http://emporiododireito.com.br/entre-ausencia-de-prova-e-alguma-conviccao-forma-se-o-castelo-de-areia-por-leonardo-isaac-yarochewsky/

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