Salvador, 15 de May de 2024
Acesse aqui:                
facebookorkuttwitteremail
Sou do tempo em que nossa diplomacia só brigava com Paraguai por Marcelo Carneiro da Cunha
Ajustar fonte Aumentar Smaller Font
Cidadania
Sáb, 22 de Maio de 2010 16:44
Estimados visitantes dessa coluna; pois saibam que, para um gaúcho vivendo aqui no Norte profundo, nada como um friozinho para colocar as coisas no lugar e ajudar esse cérebro cansado pelos anos de idade e pela falta de uso a elaborar ideiazinhas que mereçam ser compatilhadas com leitores do porte de vocês. E estava eu acompanhando a imprensa local e mundial, que repercutia a surpreendente notícia de que o Brasil tinha chegado a um acordo com auxílio da Turquia, capaz de resolver os piores pontos de confronto entre o Irã e o resto do mundo.

Não sei quanto a vocês, mas eu sou do tempo em que o máximo de autonomia de vôo para a nossa diplomacia eram coisas como brigar com o Paraguai por conta de Itaipu, com o Uruguai por terem devastado o Maracanã na Copa de 50, com a Argentina por fabricarem doce de leite tão melhor do que o nosso, e olhem lá.

Vocês não se sentiram estranhos vendo o Brasil atuando num cenário internacional de alta voltagem, como esse? E, aparentemente, tendo sucesso onde os outros não tiveram? Como assim? Nós? Não parece coisa nossa, mesmo que o Brasil da era Lula nos surpreenda o tempo inteiro fazendo coisas que não parecem coisa nossa.

Minhas sensações foram ambíguas. Por um lado, eu detesto tão completamente o regime iraniano, que qualquer relacionamento com eles me faz sentir pior do que durante o jogo Gremio x Santos dessa semana. Eu detesto teocracias, sei o que o regime faz com as mulheres, com todo mundo que não acredita que uma sociedade possa ser regida por normas bárbaras como a tal lei islâmica. Sei do antisemitismo do Ahmadinejad, e, portanto, ver o Lula ao lado dele me produz acidez, entre outras coisas.

Mas, estimadíssimos leitores, eu não sei, e, sinceramente, prefiro não saber, o que representa uma nova guerra em escala mundial. Porque é disso que estamos falando.

Na ausência de um acordo, e na presença da maluquice dos mullahs iranianos, o mundo vai pra perto do triz em que ele navega, de tempos em tempos. Um Irã com a bomba é simplesmente inaceitável para Israel, que tem a bomba, várias delas, mas que também é ameaçado continuamente por gente do tamanho do Irã.
Ninguém pensa, necessariamente, em aniquilar o Irã, mesmo que muita gente pense em liberar o Irã do seu odioso regime ¿ o que, provavelmente, só pode ser feito mesmo pelos iranianos. Portanto, existe uma certa e maluca lógica em Israel poder ter a bomba, e o Irã não poder tê-la. Se o Irã a tiver, ou antes que a tenha, Israel vai atacar. O Irã vai reagir. Os americanos vão apoiar Israel e o Irã fecha o estreito por onde passa 80% do petróleo mundial. Se o Irã for atacado, a China pode vir em sua defesa, a Coréia do Norte também, mas essa aí só porque é ainda mais maluca do que o Irã. Sabem o que teremos então, estimados leitores? Algo que nem eu nem vocês presenciou até hoje e  que, sinceramente, não queremos presenciar.

Brasileiros cresceram aprendendo que a guerra do Paraguai foi um terrível erro e não se orgulham dessa vitória triste. Cresceram aprendendo que fomos até a Itália lutar pelo lado certo, e que isso é motivo de orgulho.
Cresceram conhecendo a tudo isso por livros e pela imprensa, jamais por experiência direta. E é melhor que continue assim.

Eu fui um menino fascinado pelas fotos da revista Life que meu pai tinha, e que mostravam o terror da II Guerra Mundial. Aprendi que com Hitler não se negociava, já que ele queria destruir o mundo e mais nada. Quem foi negociar com ele em Munique cometeu um erro, e muitos acham que Lula comete o mesmo, tentando negociar com o inegociável. Quem foi negociar com Hitler queria a paz acima de tudo, e sacrificou o mundo sem conseguir obtê-la, porque isso era impossível.

Não acho que o Irã queira destruir o mundo, embora eles digam que querem destruir Israel e façam coisas muito destrutivas com a liberdade dos seus cidadãos. O que dizem é uma coisa, o que fazem pode ser outra. Difícil dizer.

Mas sei que os americanos falam sobre guerra e a fazem. Por motivos justos, como na Primeira e Segunda Guerras, quando salvaram a pele do mundo, mesmo que também por interesses próprios. Por motivos malucos, como no Vietnam ou no Iraque, mas a fazem. Sei que os russos fazem a guerra porque a fazem, como na Georgia e Tchechenia. Os chineses, seguramente a fazem, embora, no momento, queiram mais vender o Ocidente por meio de uma enxurrada de dólares acumulados do que por outros meios mais violentos.

Portanto, sei que podemos ter uma guerra, se não chegarmos a um acordo com o Irã e que ele o cumpra. Sei que do lado americano eles não parecem querer acordo, a não ser que seja um inaceitável para o regime iraniano, e, lembremos, eles são doidos. Na guerra que tiveram com o Iraque, nos anos 80, mandavam homens desarmados pisar sobre minas, para que o exército pudesse avançar! Sério! É com isso que estamos lidando, minha gente!

Não sei se o Lula foi manipulado pelos iranianos, porque até agora ninguém parece querer verificar se são sinceros ou não. Mas sei que ele tenta, tentou, sinceramente, mesmo que por interesses próprios, chegar a um acordo e evitar a guerra.

De forma boa ou não, interessada ou não, equivocada ou não, Lula, o Brasil, atuou em favor da paz, em favor do mundo. Se alguém não quis, não foi culpa nossa. Mas, se tivermos que pagar, vamos pagar todos, não importando de que lado tenhamos ficado.

E isso, estimados leitores, é que temos como consequência dessa semana que ainda não terminou, e, espero, não termine como os americanos parecem querer que ela termine. Porque, nesse caso, não sei quantas semanas, felizes ao menos, teremos pela frente, eu, você, o senhor aqui ao lado, todos que, por um defeito de fabricação, ao que parece, amamos às pessoas, a vida, e, por estranha coincidência, a paz.

Sorte a nossa, azar o nosso.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.

Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Artigo publicado originalmente em http://terramagazine.terra.com.br

Compartilhe:

 

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar

FOTOS DOS ÚLTIMOS EVENTOS

  • mariofoto1_MSF20240207-089Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 2. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240207-053Lavagem Funceb. 08.02.24. Alb 1. Foto: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-070Fuzuê Alb 1. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-131Fuzuê Alb 2. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-213Fuzuê Alb 3. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240203-305Fuzuê Alb 4. 03.02.2024. Fotos: Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-0974Beleza Negra do ilê. Alb 1. 13.01.24 By Mario Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1105Beleza Negra do ilê. Alb 2. 13.01.24. By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1347Beleza Negra do Ilê. Alb 3. 13.01.24 By Mário Sérgio
  • mariofoto1_MSF20240112-1567Beleza Negra do Ilê. Alb 4. 13.01.24 By Mário Sérgio

Parabéns Aniversariantes do Dia

loader
publicidade

ENSAIOS FOTOGRÁFICOS

GALERIAS DE ARTE

HUMOR

  • O gigante voltou a dormir_1
  • Categoria: Charges
Mais charges...

ENQUETE 1

Qual é o melhor dia para sair a noite?