Verdades sobre o dia 15 (ou a volta dos mortos vivo por Paulo Moreira Leite |
Dando o que Falar | |||
Dom, 01 de Março de 2015 12:22 | |||
Como se 54,5 milhões de votos fossem um enfeite na paisagem, derrotados de 2014 promovem um ato desleal perante a democracia Preve-se que, no dia 15 de março, ocorram manifestações contra o governo Dilma. Seus organizadores, líderes e apoiadores são os derrotados pelas urnas de 26 de outubro de 2014. Este é o fato básico. A democracia garante a liberdade de expressão e manifestação mas isso não basta para assegurar a legitimidade de um protesto. Estamos falando de um ato desleal perante a vontade da maioria. O protesto programado é outra coisa, sabida, diagnosticada: a venezualização do país. Será um cortejo daqueles que votaram no candidato que perdeu as eleições presidenciais — ficou atrás no primeiro turno e também no segundo — e, como 54,5 milhões de votos fossem pouco mais do que um detalhe na paisagem, procuram um atalho para mudar o resultado. Não aceitam uma democracia na qual amargaram quatro derrotas consecutivas. Em vez de, humildemente, procurar entender as causas de mais um fracasso nas urnas, comportam-se como privilegiados que decidiram que não querem brincar mais. Como a palavra “golpe” carrega terríveis recordações, agora falam em impeachment, como se bastasse trocar as palavras para modificar o significado das coisas. Outro ponto básico: sem fatos concretos, ensina a Constituição, impeachment é conversa e enganação. Estamos diante de uma tentativa de golpe igual a todos os outros, preparado pela construção artificial de um ambiente político radical e desfavorável. Quando o cidadão comum perceber, terá sido embrulhado mais uma vez. O novo governo começou há dois meses e tem um mandato de três anos e dez meses para ser cumprido. Não há um único fato, nem o mais leve indício, sequer um fiapo, capaz de envolver a presidente da República num crime de responsabilidade. Estamos na Republica de Sérgio Moro, o Átila. Nesse enredo absurdo é hora de considerar o básico, convocar Chico Buarque: “Chame o ladrão, chame o ladrão.” Alguma dúvida? O que está em construção no Brasil de 2015 é um movimento típico da sociedade do espetáculo e é preciso prestar atenção num ponto essencial. Quem escreve o enredo, escolhe os heróis e os vilões, necessários para dar sentido a uma grande ficção e definir o que se entende por final feliz é, como sempre, quem tem a propriedade dos meios de produção, que são as câmaras, os estúdios, e também paga os artistas, compra os jornais onde se pode ler a crítica, acompanhar o show e fechar as cortinas. Falsos como galãs de opereta, já estão preocupados em montar histórias embelezadas para esconder suas feiúras mais horrendas. Mentem de dia, à luz dos holofotes, para conspirar a noite. Procuram álibis, argumentos de fachada. A coisa chegou a um ponto tal que há quem diga que não se deve apoiar um golpe porque o Brasil não pode ser comparado ao Paraguai. Deve ser a primeira jura de amor à democracia feita a partir de uma visão esnobe, alimentada por pressupostos racistas e preconceituosos. Quanto vale isso? Quem explica o show, com um conhecimento que faz justiça à própria Justiça, é o juiz Rubem Casara, do Rio de Janeiro: “O enredo do “julgamento penal” é uma falsificação da realidade, uma representação social distante da complexidade do fato posto à apreciação do Poder Judiciário. Em apertada síntese, o fato é descontextualizado, redefinido, adquire tons sensacionalistas e passa a ser apresentado, em uma perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal, entre os mocinhos e os bandidos. O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo. ” Em cartaz desde abril de 2014, nas manchetes de jornais, revistas e telejornais, em 15 de março o espetáculo deve ganhar a rua, animar pessoas de carne e osso, fingir que se tornou realidade embora continue uma peça de ficção. Nem o erro mais grave do governo Dilma, nem aquilo que hoje muitos chamam de “sonho desfeito” do PT, pode servir de argumento para punhaladas, provocações ou demais soluções ainda mais sinistras. Fora da democracia não tem jogo. Artigo publicado originalmente em http://paulomoreiraleite.com/2015/02/28/fatos-basicos-sobre-o-dia-15/
|
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |