Luiz Moreira denuncia populismo judicial contra Lula. Por Paulo Moreira Leite |
Dando o que Falar | |||
Dom, 30 de Abril de 2017 08:00 | |||
Um dos pioneiros no estudo da judicialização da política no país, o professor Luiz Moreira deu a seguinte entrevista-dialogo ao 247: BRASIL 247 -- No ambiente político que faz parte do entorno da Lava Jato, como interpretar a decisão de Sérgio Moro em transferir a data do depoimento de Lula? Qual o sentido de alegar preocupação com a mobilização popular? Luiz Moreira -- Essa decisão lembra o ditado popular "faça o que eu digo, mas não faça que eu faço", vez que o juiz da Lava Jato, assim como os demais membros dessa operação, utilizam-se da mídia para obterem aprovação popular. Ocorre que as funções da Justiça são contramajoritárias. Deveriam se pautar por atuação mais discreta, respeitando a liturgia dos respectivos cargos. BRASIL 247 -- Sabemos que não é isso o que acontece. Luiz Moreira -- Eles estão permanentemente na mídia, como se seus cargos e sua atuação dependesse de votos. Atuando à margem da boa técnica jurídica, transmitem a convicção de que as campanhas midiáticas -- que eles próprios estimulam -- vão enfraquecer os índices de popularidade do Presidente Lula. BRASIL 247 -- Falando em tese, fora do caso concreto: pode-se concluir que, desse ponto de vista, um réu que tenha baixos índices de popularidade será mais facilmente condenado? Luiz Moreira -- Nesse populismo a decisão judicial dialoga com a aprovação popular. Assim, decisões judiciais pretendem agradar sentimento de vingança incutido na população, de modo que a necessária existência de provas passa a ser mitigada, pois importa derrotar a defesa, obtendo a qualquer custo a confirmação judicial da acusação. Assim, os princípios são derrotados pela performance, com a forma se impondo ao conteúdo. Nesse caso, o populismo judicial pode tanto condenar sem provas quanto absolver acusados contra os quais existe abundância de provas.
BRASIL 247 -- Parece que estamos admitindo a visão de que a Justiça pode aceitar a noção de que uma mobilização maior ou menor possa afetar sua decisão. Isso é saudável? Luiz Moreira -- Isso simplesmente representaria o fim do sistema de justiça brasileiro, que passaria a ser regido pelo sabor das conveniências e dos humores. Esse populismo judicial, que transforma o judiciário em aferidor da vontades e dos caprichos, é condizente apenas com ditaduras. Não é admissível que o sistema de justiça continue flertando com essa postura, que substitui a lei pela vontade de quem decide. BRASIL 247 -- O senhor acha que a greve geral pode exercer alguma influência? Luiz Moreira -- A insatisfação popular com o Governo Temer, sobretudo com as reformas da Previdência e Trabalhista, podem fortalecer ainda mais o nome do ex Presidente Lula, projetando-o como franco favorito para as eleições presidenciais de 2018. Evidentemente, na medida em que abandonam a técnica jurídica e convidam o Presidente Lula para uma espécie de "debate político" sobre o futuro do país, os membros da Lava Jato adentram em terreno que conhecem muito pouco, facultando ao Presidente Lula exercer o protagonismo político que exerce há vinte anos.
BRASIL 247 -- Nós sabemos que a Lava Jato possui um componente midiático importante. Num artigo bastante conhecido sobre a Operação Mãos Limpas, o próprio Sérgio Moro admitiu que necessita do apoio da mídia para deslegitimar lideranças de grande apelo popular. Entre estas, obviamente Lula é a mais reconhecida. Ao alimentar a cobertura da mídia, o próprio juiz não estaria despertando uma reação popular que agora pode se tornar inconveniente? Luiz Moreira -- Embora o juiz Sérgio Moro sugira que se inspirou na Operação Mãos Limpas, esta operação não se confunde com a Lava Jato. A Mãos Limpas, diferentemente da Lava Jato, obedeceu ao devido processo legal e ao direito de defesa. BRASIL 247 -- Quais distorções o senhor aponta no encaminhamento da Lava Jato? Luiz Moreira -- Assiste-se no Brasil ao emprego de técnicas de marketing para legitimar instituições jurídicas, que pretendem "vender" seu produto aos cidadãos. Essas campanhas de marketing promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal transformam cidadãos em consumidores das narrativas acusatórias contra seus alvos. Na medida em que a atuação dessas instituições se desvincula de um fundamento jurídico ou de uma prova a embasar a acusação ou condenação dos cidadãos, o processo judicial se transforma em peça de ficção. Por que? Porque importa ao aparato acusatório comprovar a narrativa criada para condenar os cidadãos, e o que menos importa é se eles são inocentes. Não por acaso a expressão "feio é perder" é cada vez mais ouvida nessas corporações. BRASIL 247 -- Vamos separar o joio do trigo: quais são os elementos de ficção que se encontram misturados com fatos reais? Luiz Moreira -- "O feio é perder" ganhou muitos adeptos no sistema de justiça e se expressa nas denúncias do Ministério Público em que a descrição das condutas ilegais dos acusados são substituídas por adjetivos, embrulhadas num bonito enredo. Quanto mais adjetivo e mais performance, menos provas existem.
BRASIL 247 -- Para o senhor, o que se pode esperar daqui para a frente? Luiz Moreira -- Vislumbra-se no depoimento do Presidente Lula, agora remarcado para o dia 10 de maio, uma situação espantosa. Do ponto de vista jurídico, chega a ser surreal que o Presidente Lula ainda responda à acusação de ser proprietário de um imóvel, o tal triplex, quando a OAS expressa em duas ocasiões ter ela a posse e a propriedade desse apartamento. Não estamos falando de opinião, de testemunhos, mas de documentos com fé pública que demonstram, sem a mais mínima dúvida, que o Presidente Lula não tem qualquer vínculo com esse imóvel.
Luiz Moreira -- Porque os que compõem a Lava Jato são vítimas da narrativa que criaram. Eles fomentaram uma narrativa cujo propósito consiste em transformá-los em heróis, cujos poderes decorrem da fé dos cidadãos nos papéis que desempenham. Neles, a estética tem um papel fundamental: imagens, indumentárias, chavões, tudo é pensado para confirmar a narrativa de heróis de uma causa. Como foram longe demais nesse enredo, têm muita dificuldade em admitir seu erro. Neste momento, só um ato de grande dignidade pode resultar no triunfo do direito sobre a ficção. BRASIL 247 -- O senhor considera que Lula tem sido capaz de utilizar o direito de defesa sem restrições? Luiz Moreira -- No processo midiático a que o Presidente Lula está submetido, há um ambiente hostil à defesa, aquilo que seus advogados corretamente chamam de guerra jurídica (lawfare). A hostilidade é tamanha que o juiz da causa chega a sugerir que se a defesa dispensar algumas testemunhas, então obterá ganhos. BRASIL 247 -- Quais as consequências possíveis desse comportamento? Luiz Moreira -- Como o juiz não pode obrigar o Presidente Lula a estar presente na oitiva das testemunhas que sua defesa indicou, qual seria a consequência se Lula não se fizer presente? BRASIL 247 -- Ao dizer que a base está dirigindo as instituições jurídicas, o senhor parece sugerir que o Supremo Tribunal Federal não está cumprindo seu papel. É uma observação que se pode ler e ouvir com frequência. Como é isso? Luiz Moreira -- O Supremo Tribunal Federal já não exerce papel de mediador de conflitos, já não aponta caminho para as demais instituições, nem soluciona crises, pois adotou para si o papel de instituição que disputa com as demais protagonismo político. Se é político o papel do STF, por que a sociedade e as instituições políticas confiariam a ele a tarefa de dizer o direito? Entrevista publicada originalmente em http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/292893/Luiz-Moreira-denuncia-populismo-judicial-contra-Lula.htm
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