Primeira cirurgiã plástica negra do Brasil, a baiana Tatiana Novais já perdeu a conta de quantas vezes foi questionada por colegas e amigos sobre a razão de ainda não ter operado seu nariz. Com abas características de um nariz negróide – termo usado pela medicina – o nariz da médica é um aspecto físico e também uma marca familiar, que ela gosta de carregar. Hoje, mais do que isso, é o cartão de visitas para a proposta que tenta levar para seus pacientes: equilíbrio e valorização de características raciais.

“O conceito de beleza sempre esteve relacionado a números exatos e medidas que nasceram da idealização de biotipos da população branca. O brilhante Leonardo Da Vinci chegou a estabelecer proporções numéricas ideais para um padrão de beleza europeu, e foi seguido por inúmeros estudiosos. Tais medidas se tornaram arbitrárias e viraram uma imposição que já perdura séculos”, explica a cirurgiã plástica, idealizadora da I Jornada de Saúde e Beleza Negra, que aconteceu em novembro do ano passado em Salvador, sendo pioneiro no Brasil com essa abordagem.

Ainda que o movimento mundial contra o racismo venha avançando a cada dia, Dra. Tatiana revela que ainda recebe mulheres negras que desejam fazer rinoplastia (cirurgia plástica no nariz), tendo como referência o nariz de personalidades brancas, como Xuxa. “Podemos sim operar um nariz com características da raça negra caso ele tenha uma desproporção real que desagrada o paciente. Mas cada caso deve ser avaliado com muito cuidado, porque a cirurgia não pode ser uma tentativa de adquirir um traço étnico que não é seu”, explica.

O problema é que a consciência acerca da valorização da identidade racial não é comum a todos os profissionais de saúde quando o que está em pauta é atender o desejo do paciente, seja ele qual for. A prova disso está na realização indiscriminada de cortes das abas nasais, procedimento denominado alectomia, muitas vezes em clínicas e não em hospitais, impondo deformidades na respiração e até risco de morte a essas pessoas que, na maioria das vezes, não têm condição financeira para uma cirurgia plástica.

– O que há de mais grave e que deve provocar sérias reflexões, no entanto, é a motivação para a busca por tais procedimentos: a não aceitação de traços característicos da raça negra. Trata-se de um sintoma claro do racismo estrutural, tema sempre abordado por Dra. Tatiana Novais que, no último mês de outubro, realizou no seu Instagram (@tatiananovaiscgplastica) a live “impacto Psicológico do Cabelo Crespo e da Transição Capilar”, tendo como convidada a psicóloga baiana Dra. Jeane Tavares.

“O cabelo crespo é uma questão séria. Quem tem sempre soube disso. Existe uma fala antiga, ‘o cabelo crespo não nos deixa esquecer que somos pretos’, mas de um tempo recente, quando era um ideal de muitos tentar disfarçar suas raízes. Hoje o cabelo tornou-se um símbolo da negritude e a transição capilar representa uma mudança no curso da história de cada mulher que decide realizá-la, mas carrega um nível de complexidade típico de decisões que envolvem conceitos sensíveis como identidade e preconceito”, comenta ela.

O fato é que os conceitos atuais de padrão ouro de procedimentos estéticos, como Harmonização Facial, por exemplo, ainda consideram referências do padrão de beleza europeu para concluir o que é ou não harmônico. “Aceitar essa imposição é acreditar que a grande maioria de nós, negros, estamos fora do que é considerado ‘bonito’ para os olhos da medicina estética e do mundo. E sempre precisamos de um ‘conserto’. Nem preciso dizer que, num país de maioria negra como o nosso, não podemos mais admitir que tais regras sejam usadas como base. A estética deve servir a todos. Definitivamente, um preto lindo não é o preto de traços finos”, defende.

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